TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

442 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL M – É também ilusória a argumentação de que estamos perante a existência de contratos coligados, bem como que, assim sendo, justificaria a reserva de propriedade a favor do mutuante. N – Desde logo, os contratos em causa não cumprem os requisitos das sub-alíneas i) e ii) , da alínea o) do artigo 4 . º do Decreto-Lei n . º 133/2009, de 2 de junho. O – Pois que, financiador e fornecedor não são a mesma entidade, o credor não recorreu ao prestador de serviços para preparar ou celebrar o contrato de crédito, nem o contrato de crédito foi exclusivamente celebrado para financiar o pagamento do preço ao fornecedor, conforme decorre dos pontos 1 a 9 dos factos provados. P – Ainda assim, de acordo com o supra exposto, não tem qualquer acolhimento legal a reserva de propriedade para quem não é alienante, mas apenas mutuante, tratando-se de uma restrição de um direito real que a lei não permite (cfr. artigo 1306 . º do CC e artigo 62 . º da CRP). Q – Na verdade, a pretensão da Recorrida e das demais instituições mutuantes na sua luta pela implementação da tese atualista está relacionada com a intenção de subverterem o ordenamento jurídico que confere determina- das proteções objetivas e subjetivas. R – A prática reiterada e ilegal das instituições financeiras visa apenas terem uma situação mais vantajosa em caso de insolvência do mutuário, como é o caso presente, relativamente aos demais credores. S – Pois que, com tal procedimento apropriam-se de um bem que deveria integrar a massa insolvente – indepen- dentemente dos valores que já tenham recebido do mutuário/insolvente – e deste modo prejudicam o interesse dos credores da insolvência (cfr. n . º 1 do artigo 1 . º e artigo 46 . º e ss, todos do CIRE). T – A interpretação atualista feita pelo Tribunal a quo traduz-se na criação de uma nova norma – uma nova restri- ção ao direito de propriedade – que não é função dos Tribunais, atento o princípio de separação de poderes, ínsito no artigo 2 . º da CRP, constituindo uma limitação inadmissível ao direito de propriedade, tendo em conta o artigo 1306 . º do CC, o artigo 3 . º e 62 . º da Constituição da República Portuguesa (CRP). U – A dita “tese atualista” vai contra o princípio da certeza e segurança jurídica, sem que exista a necessidade do ponderado sacrifício de tal princípio, pois não existe qualquer vazio legal que não preveja garantias para os mutuantes, v. g. , a hipoteca, a fiança e a livrança. V – Com efeito, a aludida tese altera por completo o sentido do artigo 409 . º do CC, cria uma nova limitação ao direito de propriedade, afecta a proteção dada aos credores da insolvência (cfr. n . º 1 do artigo 1. e 46 . º e ss do CIRE). W – E assim sendo, neste sentido, viola também o artigo 3 . º e o n . º 2 do artigo 18 . º, ambos da CRP. X – Deste modo, a interpretação defendida pelo Tribunal recorrido, do artigo 409 . º do CC, segundo a qual a reserva de propriedade poderá ser feita a favor do mutuante, não alienante, é inconstitucional por violação dos artigos 2 . º, 3 . º, n . º 2 do artigo 18 . º e 62 . º, todos da Constituição da República Portuguesa. Y – Em sentido contrário à “tese atualista” de interpretação do artigo 409 . º CC, já foram proferidas várias decisões, nomeadamente, os acórdãos: STJ 12/07/2011, p. 403/07, 31/03/2011, p. 4849/05, 7/07/2010, p. 117/06, 10/07/2008, p. 08B1480, 2/10/2007, p. 07A2680, RL 28/02/2013, p. 84/13, 15/05/2012 com voto de vencido, p. 2261/12, 5/7/2012 com voto de vencido, p. 2490/12, 6/12/2011, p. 1652/11, 25/01/2011, p. 39017/03, 14/12/2010, p. 1384/10, 4/03/2010, p. 4614/07, todos em www.dgi.pt . Z – E na doutrina, Paulo Faria, “A reserva de propriedade constituída a favor de terceiro financiador”, revista Julgar , 16, páginas 30 e seguintes. AA – Já vários acórdãos foram proferidos após o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30/09/2014 (Proc. n . º 844/09.8TVLSB.L1.S1), que contrariam aquele aresto, v. g. , o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17-12-2015 (processo n . º 807/14.9T8LSB.L1-6) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8/3/2016 ( processo n . º 934/15.8T8LMG.C1), cujo sumário em supra se transcreveu. Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Exas. muito doutamente suprirão, deverá julgada inconsti- tucional a interpretação dada pelo Tribunal recorrido, segundo a qual a reserva de propriedade constante no artigo 409. CC poderá ser feita a favor do mutuante, não alienante, por violação dos artigos 2 . º, 3 . º, n . º 2 do artigo 18 . º e 62 . º, todos da Constituição da República Portuguesa e, em consequência, deverá ser revogada a decisão proferida.”

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