TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

435 acórdão n.º 397/19 Diga-se, aliás, que a circunstância de a conduta da recorrente não ter produzido “quaisquer consequên- cias nefastas nos recursos hídricos” foi ponderada, pelo tribunal de 1 . ª Instância, para determinar a atenuação especial da coima, em termos secundados pela decisão recorrida, assim se fazendo uso, de acordo com aquele primeiro tribunal, de uma válvula de segurança do sistema que permite adequar uma moldura de mínimo particularmente elevado à justiça do caso concreto. Acresce que, como bem acentua o Ministério Público, resulta da argumentação desenvolvida pela recor- rente, em sede de juízo de inconstitucionalidade, que a qualificação da contraordenação apenas assume relevo enquanto determinante de uma moldura legal de coima que tem como mínimo o valor de € 24 000, por aplicação do disposto no artigo 22 . º, n . º 4, alínea b) , da Lei n . º 50/2006, de 29 de agosto, preceito espe- cificamente mencionado quer no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade quer na motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação. Nestes termos, delimita-se o objeto do recurso, em moldes que não comportam alteração relevante ou substantiva relativamente à forma apresentada pela recorrente, como correspondendo à questão de constitucionalidade da norma, extraível da conjugação do artigo 81 . º, n . º 3, alínea a) , do Decreto-Lei n . º 226-A/2007, de 31 de maio, e do artigo 22 . º, n . º 4, alínea b) , da Lei n . º 50/2006, de 29 de agosto, na redação introduzida pela Lei n . º 114/2015, de 28 de agosto, que, qualificando como contraordenação muito grave a mera utilização não titulada dos recursos hídricos, prevê que o montante mínimo da respe- tiva coima aplicável às pessoas coletivas, em caso de negligência, corresponda a € 24 000. 7. A Lei n . º 50/2006, de 29 de agosto, que aprova a lei-quadro das contraordenações ambientais, teve como base a proposta de lei n . º 20/X, apresentada pelo Governo à Assembleia da República, com o objetivo de criar um regime próprio para as contraordenações ambientais, passando a classificar as mesmas como “leves”, “graves” e “muito graves”, sendo o montante das coimas determinado em função da gravidade da infração, da natureza do responsável como pessoa singular ou coletiva, e do grau de culpa. O Decreto-Lei n . º 226-A/2007, de 31 de maio, surgiu para complementar a reformulação do regime sobre a utilização dos recursos hídricos e respetivos títulos iniciada com a Lei n . º 58/2005, de 29 de dezem- bro, procurando uma gestão mais eficaz da água e terrenos com ela conexos, em cumprimento de uma incumbência prioritária cometida ao Estado nos termos do artigo 81 . º, alínea n) , da Lei Fundamental. Os referidos diplomas enquadram-se, assim, na proteção do direito ao ambiente, consagrado na Cons­ tituição como um direito fundamental, que, na sua dimensão negativa, se traduz num direito à abstenção, por parte do Estado e de terceiros, de ações ambientalmente nocivas e, na sua dimensão positiva, comporta um direito a uma prestação do Estado tendente a proteger esse bem jurídico, evitando a sua degradação, nomeadamente prevenindo e reprimindo os comportamentos lesivos (vide J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol I, 4 . ª edição, 2007, Coimbra Editora, anotação ao artigo 66 . º, pp. 845-846). A importância do direito “a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado”, plas- mado no artigo 66 . º, n . º 1, da Lei Fundamental, é refletida na consagração da defesa do ambiente e da preservação dos recursos naturais, bem como na promoção do bem-estar e da qualidade de vida, nome- adamente através da efetivação de direitos ambientais, como tarefas fundamentais do Estado, nos termos das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 9 . º da Constituição. O artigo 66 . º, n . º 1, parte final, da Constituição também estabelece o dever fundamental de todos os cidadãos defenderem o ambiente. Este complexo nor- mativo justifica a imposição de restrições a outros direitos constitucionalmente protegidos, designadamente a liberdade de iniciativa económica, plasmada no artigo 61 . º, n . º 1, do mesmo diploma e expressamente invocada pela aqui recorrente. Aliás, a consagração deste direito encontra-se expressamente condicionada em função do interesse geral e dos “quadros definidos pela Constituição e pela lei”, o que nos remete, desde logo, para a necessidade da sua compatibilização com objetivos constitucionalmente estabelecidos, como a aludida defesa do ambiente e preservação dos recursos naturais (vide idem , ibidem , anotação ao artigo 61 . º, p. 791).

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