TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
427 acórdão n.º 395/19 «Por seu turno, o ponto de vista do direito constitucional, ao distinguir entre dois tipos fundamentais de receitas públicas, é naturalmente outro: é antes o da diferente onerosidade de umas e outras para os obrigados ao respetivo pagamento – a implicar um tratamento mais estrito e exigente (em particular no que concerne ao princípio da legalidade) para aquelas receitas que correspondem a uma pura “exação”, sem que o seu sujeito passivo obtenha qualquer utilidade específica ( uti singuli ) com o respetivo pagamento: aí, há que acautelar mais intensamente (para nos restringirmos à consideração do mencionado princípio e das suas funções), seja o direito de propriedade daquele contra exações desnecessárias ou exorbitantes, seja a legitimidade e a trans- parência democrática da decisão que estabelece e fica a fundamentar tal exação. Ora, há de reconhecer-se que, quando certa receita pública é exigida para que um particular possa desenvolver determinada atividade ou praticar determinado ato, que sem isso lhe estaria vedado, do pagamento dessa receita deriva sempre, para quem o faz, uma utilidade do tipo antes referido (uma vantagem), traduza-se ela em, ou implique ela ou não a utilização de um bem semipúblico». Acompanhamos inteiramente estas considerações, que levaram o Autor a propender, hoje, para acolher o crité- rio fixado no artigo 4 . º, n . º 1, da Lei Geral Tributária.” Nos termos do mesmo aresto, a distinção constitucionalmente relevante que permite excluir determi- nados tributos da classificação garantisticamente mais exigente de impostos assenta, não na circunstância de estar em causa qualquer forma de utilização de um bem público ou no facto de o ente tributador ficar constituído numa situação obrigacional de assunção de maiores encargos pelo levantamento do obstáculo jurídico, mas antes na verdadeira natureza e funcionalidade do obstáculo que o pagamento do tributo se destina a remover. Em conformidade, pode ler-se, no mesmo Acórdão: “A distinção a fazer não é, assim, entre as remoções que facultam e as que não facultam a utilização de um bem semipúblico, mas entre as que afastam um obstáculo real, ditado por um genuíno interesse administrativo, e as que eliminam um obstáculo artificialmente erguido para, através da remoção, propiciar à administração a cobrança de uma receita (cfr., quanto a esta distinção, Casalta Nabais, ob. cit. , 14-15, Autor que, no entanto, considera “verda- deiras licenças fiscais” as taxas relativas à publicidade através de anúncios). O tratamento, de modo constitucionalmente adequado, das prestações devidas pela concessão de licenças municipais não exige a diferenciação que o critério restritivo de taxa propugna, mas uma outra, decorrente do indispensável controlo sobre a verdadeira funcionalidade do obstáculo cujo levantamento justifica a contrapartida pecuniária. O modo de combater a “fuga” para o regime mais benévolo das taxas, sem que a natureza substancial da relação com o administrado o legitime, passa, como acentua Cardoso da Costa, por esse meio – o do «teste de verosimilhança, destinado (…) a afastar a qualificação de “taxa” nos casos em que ela se ligue à remoção de um obstáculo “artificial”, criado apenas para se proporcionar a cobrança de uma receita (dito por outras palavras, nos casos em que à criação do obstáculo não vá subjacente um interesse “administrativo” autónomo, mas unicamente um interesse “fiscal”» ( ob. loc. cit. ).” A norma em apreciação nos presentes autos, envolvendo uma autorização para implantação e funciona- mento de infraestruturas de suporte de estações de radiocomunicações, em prédio privado, prende-se com a analisada dimensão de remoção de um limite jurídico à atividade dos particulares, no caso operadores de redes e serviços de comunicações eletrónicas. Seguindo a orientação defendida no Acórdão n . º 177/10 – que se debruça sobre a cobrança de taxas devidas pela afixação de painéis publicitários em prédios pertencentes a particulares – diremos que, na dimensão normativa em apreciação, não obstante o local de implantação da infraestrutura não se integrar no domínio público, é inegável que a sua presença física e o funcionamento contende, de forma relevante, com o espaço público, produzindo um impacto ambiental considerável.
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