TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
426 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financia- mento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, [“ Manual de Direito Fiscal ”, ed. de 2011, Almedina], pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em “ As taxas e a coerência do sistema tributário ”, p. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora).” Não sendo o nomen iuris utilizado pelo Regulamento Municipal revelador da verdadeira essência do tributo, importa verificar se o mesmo traduz uma classificação jurídica adequada, com correspondência no respetivo regime jurídico, ou seja, se nos encontramos, efetivamente, perante uma taxa. A Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n . º 398/98, de 17 de dezembro, veio expressamente incluir, como fundamento autossuficiente da taxa, além da prestação concreta de um serviço público e da utilização de um bem do domínio público, a aludida “remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares” (artigo 4 . º, n . º 2), tendo tal consagração sido reproduzida no artigo 3 . º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais. Como salienta o Acórdão n . º 177/10, o conceito de taxa adotado pelo legislador ordinário não é auto- maticamente transponível para o plano jurídico-constitucional, mas constitui um dado importante na aná- lise sobre a sua adequação no plano da normatividade da Lei Fundamental. A este propósito, pode ler-se, no aludido aresto: “Como logo se afirmou, a este propósito, no Acórdão n . º 346/01, e foi reiterado em arestos posteriores, o prin- cípio da constitucionalidade opõe-se a que os preceitos e princípios constitucionais sejam interpretados “em função do direito infraconstitucional em vigor”. Em face do conceito da lei ordinária, há que aferir se esse é também o con- ceito pressuposto pelas normas constitucionais que submetem as taxas a um tratamento diferenciado, em relação aos impostos. E não é de afastar que tal conceito se revele inapto a definir adequadamente o âmbito de incidência da não aplicação das exigências constitucionais referentes aos impostos, o mesmo é dizer, que tenha cabimento um conceito “constitucional” de taxa, mais restritivo do que o fixado na Lei Geral Tributária. Mas o tratamento da questão, no específico plano jurídico-constitucional, não pode ignorar este dado legis- lativo, pois o que urge saber, ao fim e ao cabo, é se há fundamento para nos afastarmos do conceito de direito ordinário. Não havendo, nesta matéria, uniformidade de posições doutrinais, “o mais” da consagração legislativa de uma das duas orientações em confronto, sem ser decisivo, deve contar, na apreciação a fazer quanto à noção de taxa presente na disciplina constitucional. E, nesta perspectiva, não é descabido considerar que o ónus da argumenta- ção incide com peso acrescido sobre os que entendem ser aquele conceito imprestável, no plano da normatividade constitucional. Importaria deixar claro que, com a noção mais extensiva de taxa, ficam libertos das exigências cons- titucionais respeitantes à imposição de impostos tributos que, de acordo com a teleologia própria dessas exigências, a elas deveriam ficar submetidas. Ora, não vemos que tenha sido avançado, nem na doutrina, nem na jurisprudência, qualquer argumento no sentido de que a noção de taxa, tal como estabelecida no artigo 4 . º, n . º 1, da LGT, e no artigo 3 . º da RGTAL, contemplando como modalidade autónoma a prestação exigível pela remoção de um obstáculo jurídico ao com- portamento dos particulares, “não serve” ao princípio da legalidade no domínio fiscal, por comprometer as valo- rações que lhe subjazem. Não só isso não foi feito como, pelo contrário, já se argumentou convincentemente no sentido da adequação do conceito de direito ordinário às razões constitucionais de diferenciação do tratamento das duas espécies de tributos. Essa ideia já encontra eco na declaração de voto do Conselheiro Benjamim Rodrigues, apensa aos Acórdãos n . os 436/03 e 34/04, onde se salienta que, com a qualificação dos tributos em causa como taxas, seguramente que não saem “postergadas as exigências garantísticas que fundamentam a distinção funcional dos conceitos”. Mais recentemente, pode ler-se em Cardoso da Costa, “Ainda sobre a distinção entre ‘taxa’ e ‘imposto’ na jurisprudência constitucional”, in Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto , Coimbra, 2006, 547 s., 570-571:
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