TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

407 acórdão n.º 394/19 Não podem naturalmente fechar-se os olhos à presença dos interesses patrimoniais nesta fase. Interesses que, bem vistas as coisas, não estarão ausentes noutros períodos. Só que, e por um lado, a presença ou con- corrência dos interesses patrimoniais não silencia nem neutraliza os valores pessoalíssimos, que continuam – intocados e irredutíveis – imanentes à área de tutela do direito ao reconhecimento da paternidade. Por outro lado, nada permite, menos ainda impõe, que os interesses patrimoniais, só pelo facto de o serem, hajam de ser ética e juridicamente esconjurados e proscritos. Os interesses patrimoniais do investigante não merecerão consideração e proteção inferiores às que são reconhecidas e dispensadas aos interesses patrimoniais dos terceiros afetados nas suas expectativas. Terceiros que, muitas vezes, chegarão à linha de conflito numa posição de claro privilégio, porventura a reclamar e justificar oportunas medidas de compensação. Seja ou não assim, importa não desatender a reconhecida plasticidade do direito positivo de que podem sempre esperar-se as soluções idóneas a uma ajustada composição dos interesses patrimoniais em conflito. 5. Não pode, noutra direção, deixar de se problematizar a pertinência e a fecundidade heurística de outro dos supostos basilares subjacentes à tese maioritária. Concretamente: a ideia de que os custos e a danosidade que a investigação da paternidade faz recair sobre os direitos e os interesses de terceiros (priva- cidade/intimidade, paz jurídica, segurança, património…) sobem necessariamente de tom com a passagem do tempo. Pela sua natureza, um enunciado cognitivo, de sentido empírico. E, como tal, um juízo de facto condicionado e dependente da sua comprovada validação científica. Uma validação que não se conhece, pelo menos não se aponta. Em causa está, além do mais, uma ideia contra a qual é possível mobilizar enunciados de idêntica natureza, de igual ou superior plausibilidade. Basta ter presentes as já assinaladas mudanças provocadas pelo decurso do tempo. Que podem desencadear transformações irreversíveis e profundas, vg. nas relações entre a mãe e o companheiro. Assim, relações que antes se julgavam consolidadas e que importava manter imunes à indiscrição e devassa e proteger contra a revelação de verdades “inconvenientes” podem tornar-se pura e simplesmente irrelevantes do ponto de vista da confidencialidade e reserva. Também deste lado, não pode afastar-se a possibilidade de a investigação de paternidade, já no ocaso da vida, vir ao encontro do propósito de um pai investigado que, ao longo dos anos, sempre recusou aquela hipótese. Como sucederá quando, apostado em fazer um último e definitivo balanço, aquele pai decide encontrar-se com a verdade a que sempre obstinadamente se opusera. E não será necessário levar a pesquisa muito fundo nem muito longe para referenciar constelações recondutíveis a este arquétipo. E a que o direito não pode ficar indiferente, menos ainda fechar a porta. 6. Do lado dos defensores da compreensão maioritária, que se pronuncia pela solvabilidade constitucio- nal da limitação temporal do exercício da ação de investigação de paternidade, é recorrente a alegação de que o(s) direito(s) do filho investigante – a identidade pessoal, na plenitude das suas implicações e decorrências – não configura(m) um direito(s) absoluto(s). Sem prejuízo do seu relevo doutrinal, normativo e prático-jurídico, é um problema de que aqui não curaremos. Independentemente do carácter absoluto ou não do direito, o que é decisiva é a convicção de que os interesses, valores e direitos de terceiros, que têm sido chamados à balança da ponderação, não apresentam o peso axiológico indispensável para que, num juízo de proporcionalidade, a sua salvaguarda possa justificar o sacrifício dos direitos do filho investigante. Penso concretamente em direitos ou valores como a reserva da vida privada, o desenvolvimento da personalidade, a paz jurídica, a segurança ou o património. Tudo valores cuja dignidade axiológica resulta claramente relativizada em situações de colisão como aquela que nos ocupa. É assim mesmo à vista de valores pessoais como a privacidade/intimidade, em que reconhecidamente se projeta a própria dignidade humana. Um topos a que, pela sua maior complexidade teórica e mais decisivas implicações prático-jurídicas, deixaremos uma referencia explícita, se bem que apressada. Quando, nesta sede, se invoca a privacidade/intimidade, pensa-se em primeira linha na mãe do investi- gante e do pai investigado. Isto porquanto a ação de investigação da paternidade passa necessariamente pela

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