TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

404 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL personalidade, consagrado no artigo 81 . º, n . º 2, do Código Civil, bem como do direito a intentar recurso extraordinário de revisão relativo a direitos de personalidade, a todo o tempo, sem dependência do prazo- -regra de cinco anos após o trânsito em julgado da decisão judicial impugnada, conforme estipula o artigo 697 . º, n . º 2, do Código de Processo Civil. Estas disposições consagram, assim, o primado da proteção dos direitos de personalidade em face dos direitos patrimoniais e das vinculações contratuais, para o efeito de o seu titular poder fazer valer esses direitos a todo o tempo, sem dependência de prazo. Neste quadro, o legislador, por razões de coerência e unidade da ordem jurídica, deve retirar todas as consequências da natureza do direito de intentar a ação de investigação da paternidade enquanto direito de personalidade fundamental, cuja tutela a Constituição impõe que não dependa de prazo, uma vez que a ação de investigação da paternidade é o único instrumento jurídico disponível para concretizar o direito à identi- dade pessoal das pessoas que não têm paternidade estabelecida e desejam tê-la. A pessoa humana, à luz dos valores da Constituição, deve ter o direito de, em qualquer momento da sua vida, questionar o Estado sobre quem é e quem são os seus progenitores. Os motivos que teve para só numa fase tardia da vida intentar a ação de investigação da paternidade dizem respeito ao seu foro íntimo e estão relacionados com a sua história e a dos seus pais biológicos. Por dizerem respeito à dignidade mais profunda do ser humano – o direito a saber quem é e de onde veio – o Estado não tem legitimidade para avaliar e hierarquizar estes motivos em função do decurso do tempo (ou de qualquer outro critério), fixando um prazo para o exercício do direito da ação de investigação da paternidade. – Maria Clara Sottomayor. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Votei vencido por não concordar com a decisão nem com a fundamentação. Que mobilizam a seu favor um conjunto de argumentos que, no seu conjunto, não se me afiguram decisivos. Ou porque assentam em premissas que não suportam a conclusão almejada; ou porque, mesmo quando pertinentes, são contraria­ dos por argumentos mais ponderosos a apontar um sentido contrário. Isto por razões de que me proponho dar conta, em breve e fragmentária síntese. Integrei a maioria que, no âmbito da 2 . ª secção, aprovou o Acórdão n . º 488/18, ora recorrido. E que julgou inconstitucional a norma do artigo 1817 . º, n . º 1, do Código Civil (CC), na redação da Lei n . º 14/2009, de 1 de abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873 . º do mesmo CC, prescreve um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado a par- tir da maioridade ou da emancipação. Um entendimento que, à vista dos dados então disponíveis – tendo nomeadamente em conta o panorama doutrinal e a experiência constitucional, maxime do Tribunal Consti- tucional e do TEDH –, se me afigurava então fundado e ajustado. Chamado de novo a pronunciar-me sobre o problema, no contexto do caso sub judice , não descortino razões suscetíveis de abalar ou infirmar a minha convicção, impondo-me uma mudança de sentido de voto. Pelo menos não as encontrei no texto do projeto de acórdão que acaba de ser maioritariamente sufragado. O que equivale a afirmar que saio deste processo com a crença reforçada da inconstitucionalidade de qualquer norma que estabeleça um qualquer prazo de caducidade para a instauração da ação de investigação da paternidade. Nessa medida me afastando do que vem sendo uma jurisprudência sedimentada do Tribunal Con- stitucional. Isto sem deixar de declinar o tributo à forma cuidadosa como o Tribunal vem ensaiando soluções de concordância prática de todos os direitos e interesses envolvidos, constitucionalmente reconhecidos e protegi- dos, soluções que não passem pelo julgamento de inconstitucionalidade da imposição de todo e qualquer prazo. 2. No plano estritamente normativo, deve, a meu ver, partir-se do direito à identidade pessoal, que a Constituição da República (artigo 26 . º, n . º 1) nomeia e erige em autónomo e tipificado direito fundamen- tal. Um direito de índole eminentemente pessoal, mesmo pessoalíssima, que – segundo o entendimento consensual dos autores e da jurisprudência, particularmente da jurisprudência constitucional – integra na

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