TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

401 acórdão n.º 394/19 mais, contém uma lista de direitos mais extensa do que a CEDH (Acórdãos n. os 101/09, 185/10, 281/11, 360/12, 327/13 e 404/13). Na verdade, a Convenção Europeia dos Direitos Fundamentais, diferentemente da Constituição, não reconhece expressamente o direito à identidade pessoal, que resulta apenas de uma interpretação ampla ou atualista do artigo 8 . º da CEDH, que consagra o direito à proteção da vida privada e familiar. Sendo assim, compreende-se que a jurisprudência do TEDH analise esta questão como um conflito entre direitos do mesmo valor, sem atribuir um especial peso à identidade pessoal do investigante, diluída no direito à vida privada e familiar, e de alguma forma vista como simétrica ou equivalente à privacidade do investigado e da sua família. Por outro lado, o conceito de espaço de livre conformação do legislador, na jurisprudência do TEDH, não pode ser transposto, como faz o presente Acórdão, para a justiça constitu- cional. Este conceito reporta-se a um consenso possível e provisório entre Estados com legislações e culturas distintas, e apresenta até uma natureza evolutiva, não dogmática. Já na justiça constitucional, para aferir se o legislador democrático tem ou não uma margem de liberdade de determinação atende-se a elementos jurídicos, empíricos e sociais referentes unicamente à sociedade portuguesa e à sua história. E, no contexto acima abordado, em relação ao qual a Constituição assumiu, como princípio constitucional de direito da família, a proibição da discriminação dos filhos nascidos fora do casamento (artigo 36 . º, n . º 4, da CRP), bem como a consagração expressa de um direito à identidade pessoal (artigo 26 . º, n . º 1, da CRP), o controlo da constitucionalidade da medida restritiva do direito fundamental não pode deixar de ser exigente e rigoroso, retirando ao legislador a margem de determinação para o estabelecimento de prazos de caducidade do direito de ação de investigação. Da avaliação da intensidade e da natureza das consequências que o regime dos prazos de caducidade produz para o investigante e para o investigado, resulta que o investigante, vendo o seu direito extinguir-se por força de um prazo de caducidade, fica privado do direito a saber quem é o pai e de constituir a correspon- dente relação familiar, bem como de preencher o seu lugar no sistema de parentesco e de transmitir aos seus descendentes a sua verdade biológica e social. Estes prejuízos, que atingem o núcleo essencial da existência do investigante como pessoa – e cujo impacto, dada a subjetividade inerente, não pode afirmar-se diminuir com o tempo – são claramente desproporcionados em relação às desvantagens resultantes, para o investigado e sua família, da ação de investigação, que apenas se reportam à privacidade destes, em medida pouco intensa, porque os factos revelados no processo se referem a um tempo já remoto e as ações de investigação bastam-se, para a prova da paternidade, com exames de ADN (sem a devassa exigida noutros tempos). Na hipótese de se virem, eventualmente, a produzir efeitos sucessórios, essas desvantagens serão de natureza patrimonial, mas é consensual, de acordo com a hierarquia de valores da Constituição, que confere primazia aos bens jurídicos pessoais sobre os patrimoniais, que sempre serão de menor peso do que o sacrifício pessoal exigido ao inves- tigante, a quem é negado o direito a estabelecer a paternidade, definindo a sua identidade e estado familiar. Relativamente ao argumento utilizado no Acórdão, que se refere ao alegado efeito que a passagem do tempo teria no enriquecimento da vida relacional e social do investigante, suprindo ou diminuindo o relevo da lacuna deixada pela omissão da sua paternidade, este anula-se, por ser reversível: é que pode ser precisa- mente a passagem do tempo e a existência de outras pessoas na vida familiar do investigante, bem como a sua inserção social e comunitária, que tornam imperativo o estabelecimento da paternidade, cabendo apenas ao titular do direito, de acordo com o desenvolvimento da sua personalidade e das suas circunstâncias, fazer essa apreciação e escolher o momento para a interposição da ação. Também não se pode equiparar o efeito preclusivo da caducidade no direito à identidade pessoal e fami­ liar do investigante com um suposto direito de terceiros (o investigado e os seus descendentes) a não ver a sua identidade alterada com uma nova relação familiar, adquirindo o estatuto de pai ou de irmão/irmã, como defende a tese vencedora. Em relação ao investigado, como o estatuto de pai resulta da sua participação num ato procriativo gerador de responsabilidades, em relação às quais a ordem jurídica não pode permitir nem legitimar qualquer fuga, não se reconhece relevância a esse interesse quando comparado com o direito à iden- tidade pessoal da pessoa que gerou. No que diz respeito ao estabelecimento da filiação, os interesses de pais e filhos não são simétricos, mesmo quando os filhos já são adultos. Os filhos não pediram para nascer e são os

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