TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
400 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL e o autor da ação, situações designadas por posse de estado, e existiu sempre uma relação entre a mãe do inves- tigante e o investigado, que faz parte da história da vida pessoal destes e da vida dos filhos que tiveram. 7. Pelo exposto, decorre que, sendo a ação de investigação da paternidade o único meio ao dispor dos indivíduos para o reconhecimento do seu direito à identidade pessoal, o Estado não detém margem de liberdade de apreciação para adotar qualquer prazo de caducidade. É certo que nos situamos no domínio do dever de proteção do Estado de direitos fundamentais nas relações entre particulares, em que o parâmetro de controlo é analisado através do princípio da proibição do défice ou da proibição da insuficiência, que exige a consideração, pelo juiz constitucional, dos direitos fundamentais dos particulares de ambos os lados do conflito, na medida em que o cumprimento do dever de proteção do direito do investigante vai provocar uma intervenção restritiva nos direitos fundamentais do investigado e da sua família mesmo sem previsão legal. Contudo, com essas reservas, mas assumindo as suas responsabilidades na proteção dos direitos fun- damentais, o juiz constitucional, após aplicar a norma do ramo de direito em causa, restritiva dos direitos fundamentais de uma das partes, procede a uma ponderação entre os bens e interesses em disputa e verifica se os direitos fundamentais potencialmente afetados pela norma foram inconstitucionalmente agredidos ou ficaram inconstitucionalmente desprotegidos (cfr. Reis Novais, Direitos fundamentais nas relações entre particulares, Coimbra, Almedina, 2018, p. 228). Para este efeito, a doutrina admite que o princípio da proi- bição do défice não se reduza à garantia de um mínimo de proteção, ou seja, mesmo que a proteção mínima esteja já assegurada pela norma questionada, é legítimo que o juiz constitucional proceda a uma exigência de razoabilidade que, em última análise, confere efetividade ao princípio mesmo nas situações em que a proteção mínima já está assegurada (cfr. Reis Novais, ob. cit. , p. 348). Sendo assim, o controlo de razoabi- lidade desloca-se «do terreno do conteúdo da proteção prestada ou em falta para o plano da avaliação das consequências que a omissão estatal em causa gera na esfera jurídica pessoal dos afetados». Ora, na medida em que a norma questionada no presente processo estabelece, para o exercício do direito de ação destinada a fazer valer um direito pessoalíssimo, um prazo de caducidade cujo decurso determina a extinção do direito fundamental, porque o seu titular não tem outra forma de o exercer que não seja o direito de ação, cabe ao Tribunal Constitucional um dever de proteção estatal suplementar para lá do controlo mínimo que o Acórdão que fez vencimento aplica. Os padrões de controlo da constitucionalidade não são fixáveis de forma definitiva, geral e abstrata, pois lidamos com um «critério aberto», em que o patamar de proteção exigível se apura através de uma avaliação casuística das circunstâncias do caso concreto (cfr. Reis Novais, ob. cit., pp. 347 e 349). A jurisprudência do Tribunal Constitucional também aceita a influência de elementos empíri- cos, científicos e sociais nos juízos de ponderação necessários para a apreciação da constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, à luz do princípio da proporcionalidade (cfr. Acórdãos n. os 187/01, 23/06 e 632/08). Sendo assim, a reforçar a necessidade de um controlo mais exigente aponta também a cir- cunstância, já descrita, de que está em causa um grupo de pessoas que foi historicamente discriminada pelo próprio legislador: os filhos nascidos fora do casamento numa época histórica em que lhes estava vedado ou altamente dificultado o exercício do direito. Além disto, o Acórdão que fez vencimento não ponderou a rele- vância do interesse público do Estado no estabelecimento da filiação de todos os cidadãos, interesse público que reforça o peso e a intensidade do direito à identidade pessoal e enfraquece os interesses de privacidade e de segurança jurídica do investigado e da sua família. Nem serve de qualquer valia invocar, para a apreciação da constitucionalidade da norma, como também fez o presente Acórdão, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e a margem de apre- ciação que concede aos Estados, na medida em que esta constitui apenas um standard mínimo de proteção dos direitos fundamentais, que não impede que a Constituição dos Estados, maxime , a Constituição de 1976, estabeleça um patamar de proteção mais elevado do direito à identidade pessoal. O Tribunal Consti- tucional não tem reconhecido às normas de direito internacional valor paramétrico autónomo, usando-as apenas como elementos de interpretação das normas constitucionais, sempre que contribuam para o alarga- mento do conteúdo e a densificação dos direitos fundamentais consagrados na Constituição, que, além do
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