TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

40 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da Constituição, “visará a justa repartição dos recurso públicos pelo Estado e pelas autarquias [princípio da solidariedade] e a necessária correção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau [princípio da igual- dade ativa]”» ( idem , p. 645). 23. Tomando por boa a interpretação do preceito sindicado no primeiro dos sentidos acima expostos ( supra, 15), considera o autor do pedido que a extensão do suplemento remuneratório de risco e penosidade aos trabalhadores da administração local da RAM que preencham os pressupostos de atribuição aí definidos pretende constituir na esfera jurídica dos órgãos autárquicos empregadores um encargo financeiro novo, que presentemente não têm, sendo neste caso manifesta a interferência do legislador regional na autonomia financeira do poder local. E com razão. Consubstanciando o regime aprovado pela ALRAM, segundo aquela primeira interpretação, uma disci- plina vinculativa para os órgãos autárquicos da Região, que os sujeita ao dever de pagamento aos respetivos trabalhadores do suplemento remuneratório instituído e disciplinado pelo decreto, nas condições e pelos montantes pecuniários nele previstos, a norma em causa cria um novo encargo financeiro para os municípios e/ou freguesias por ela territorialmente abrangidos, interferindo, pelo aumento de despesa que acarreta, com o poder de autodeterminação financeira que integra a autonomia das autarquias locais, nos termos definidos na lei (em especial o artigo 238.º, n. os 1 e 3). Reclamando dos órgãos autárquicos da RAM uma resposta orçamental não prevista nem contemplada na lei – seja no “diploma próprio”, por cuja edição se aguarda, seja no Regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais, aprovado pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro –, a norma sindicada afeta ainda o poder que àqueles órgãos assiste de dispor e decidir sobre a afetação dos respetivos recursos financeiros, afrontando assim o princípio de independência orçamental que integra a autonomia financeira do poder local, e, por dispor sobre matéria incluída no âmbito do “regime das finanças locais”, ainda a reserva relativa de com- petência da Assembleia da República estabelecida na alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. 24. A conclusão não é diferente no caso de se fixar ao preceito sindicado o sentido correspondente à segunda das possibilidades interpretativas acima enunciadas ( supra , 16). Isto é, se se reconhecer no n.º 2 do artigo 1.º do decreto uma norma de competência, que habilita as autarquias locais a atribuir aos trabalha- dores que reúnam os requisitos ali previstos, o suplemento remuneratório de risco e penosidade instituído – neste caso, exclusivamente – para os trabalhadores da administração regional. Se assim for entendido, a norma sindicada terá evidentemente um duplo alcance. Desde logo, determinará a atribuição aos órgãos do poder local da RAM de uma competência nova, que, além do mais, não encontra no caso presente – nem poderia, na verdade, encontrar – qualquer tradução ou res- paldo no Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, e revisto, pela última vez, pela Lei n.º 50/2018, de 16/08. Reconfigurando as “atribuições das autarquias locais” e a “com- petência dos seus órgãos”, tal como reguladas na lei, a ALRAM disporá, neste caso, sobre matéria da competên- cia da Assembleia da República, salvo delegação ao Governo, em frontal oposição aos artigos 165.º, n.º 1, alínea q) , e 237.º, n.º 1, da Constituição, ao mesmo tempo que atribuirá aos órgãos autárquicos da Região – em rigor, aos municípios –, uma competência que, por se tratar da criação uma componente da remuneração, os mesmos se não encontram sequer constitucionalmente habilitados a exercer. Com efeito, não existindo «qualquer direito a remuneração por parte de funcionários […] sem que tal remuneração esteja prevista numa norma legal», «não podem quaisquer remunerações dos funcionários ser estabelecidos por norma constante de fonte de hierarquia inferior à da lei – por exemplo, um regulamento autárquico» (J. L. Saldanha Sanches e André Salgado de Matos, “Direito dos funcionários autárquicos à perceção de remunerações acessórias nos processos de execução fiscal?”, in Fiscalidade – Revista do Direito e Gestão Fiscal , n.º 23, julho-setembro 2005, p. 14.) Em segundo lugar, ao assegurar as condições para a efetivação do direito dos trabalhadores da adminis­ tração local da Região ao suplemento remuneratório de risco e penosidade, a norma constante do n.º 2 do

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