TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

394 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL De acordo com a orientação do Acórdão do Tribunal Constitucional n . º 101/09, «A identidade pessoa é um conceito referido à pessoa que se constrói ao longo da vida em vista das relações que nela se estabelecem, sendo que os vínculos biológicos são apenas um aspeto dessa realidade» (…) «Assim sendo, as posições jurídicas contidas no direito à identidade pessoal, como seja o direito ao conhecimento das origens genéticas, não têm necessariamente uma força jurídico-constitucional uniforme e totalmente independente dos diferentes contextos em que efetiva- mente se desenvolve essa identidade pessoal». Ora, a relevância do contexto permite atribuir maior relevo ao conhecimento da identidade do progeni- tor biológico no âmbito da investigação da paternidade – em que está em causa, não apenas um contributo genético, mas o estado familiar da pessoa e, portanto, a sua vida de relação com os outros – do que na PMA heteróloga, em que o dador não assume o estatuto de pai. É que, como também se afirma no Acórdão n . º 101/09, «A imagem da pessoa que a Constituição supõe não é apenas a de um indivíduo vivendo isola- damente possuidor de um determinado código genético; a Constituição supõe uma imagem mais ampla da pessoa, supõe a pessoa integrada na realidade efetiva das suas relações familiares e humano-sociais». À luz destes valores jurídico-constitucionais é questionável que os argumentos que pesaram a favor da fixação de prazos de caducidade possam ainda hoje ser válidos, estando esvaziado ou, pelo menos, manifes- tamente reduzido o alcance axiológico dos argumentos da segurança jurídica e da proteção da reserva da intimidade da vida privada do investigado. Neste novo contexto, está verificada a necessidade de a questão da constitucionalidade da norma con- stante do artigo 1817 . º, n . º 1, do Código Civil (na redação da Lei n . º 14/2009) ser revista por uma diferente composição do Tribunal Constitucional, ponderando-se agora, pela primeira vez, a questão mais geral da legitimidade constitucional de um prazo para o exercício da ação. Torna-se, assim, claro que o regime fixado na lei n . º 14/2009, de 1 de abril, que manteve a fixação de um prazo geral de caducidade, não encontrou o seu «ponto de cristalização e de estabilização» (cfr. Joaquim de Sousa Ribeiro, «A inconstitucionalidade da limitação temporal ao exercício do direito à investigação da paternidade», in Revista de Legislação e Jurisprodência , Ano 147 . º, N . º 4009, março-abril, 2018, p. 238), sendo necessário «um novo olhar» sobre a constitucionalidade da existência de um prazo de caducidade para as ações de investigação da paternidade, em face do crescente valor dos bens jurídicos pessoalíssimos sacrificados pela caducidade, e cuja necessidade de compressão cada vez menos se reconhece, quer na ordem jurídico-constitucional, quer na consciência coletiva. No mesmo sentido milita a preocupação crescente com a verdade e a transparência nas relações familiares e nas relações entre o Estado e os cidadãos». 2. O acórdão que fez vencimento baseia o essencial da sua fundamentação na liberdade de conformação do legislador para estabelecer condições e limites de ordem temporal ao exercício do direito de ação, em confronto com o direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20 . º, n. os 1 e 5, da CRP. Invoca, como referência, a jurisprudência do Tribunal Constitucional a propósito da fixação legal de prazos de caducidade para o exercício de direitos de crédito ou outros direitos patrimoniais (o Acórdão n.º 8/12 refere-se ao prazo de reclamação dos créditos em processo de insolvência; o Acórdão n . º 70/00, ao prazo de caducidade para reconhecimento dos direitos constituídos com o deferimento tácito de um pedido de licenciamento de um loteamento; o Acórdão n . º 299/95, ao prazo de caducidade do direito do locador à resolução do contrato de arrendamento; o Acórdão n . º 242/02, ao prazo de caducidade do pedido de indemnização contra o Estado por privação da liberdade ilegal ou injustificada). No debate sobre a concordância prática entre os direitos em conflito, nas normas que estipulam prazos de caducidade, o Acórdão que fez vencimento acaba por equiparar, na transposição que faz da jurisprudên- cia citada para a questão da constitucionalidade da existência de um prazo de caducidade para as ações de investigação de paternidade – um direito fundamental pessoalíssimo e de grande transcendência para o indivíduo – com direitos de natureza patrimonial, o que representa um recuo na jurisprudência do Tribunal Constitucional.

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