TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
391 acórdão n.º 394/19 Ora, quer se considere, como faz o acórdão, que, do lado do pretenso pai, estão em causa os «direitos à reserva da intimidade da vida privada e familiar» tanto do próprio como dos respetivos familiares, quer se siga o entendimento – que, aliás, perfilho – de que o direito do investigado em colisão é também o direito à identidade pessoal, mas aqui numa dimensão defensiva – isto é, enquanto direito a não ver ampliada a sua identidade pessoal e familiar através do adicionamento aos vínculos já existentes de um outro, não desejado –, a conclusão que penso impor-se é a mesma: o modo como o legislador resolveu a tensão entre a proibição do excesso de ingerência no direito do investigado e a proibição da insuficiência na proteção devida ao direito do investigante com mais de 28 anos de idade tem como resultado a inversão das posições tuteladas fora dos casos de superveniência subjetiva, o que, além de sobrevalorizar o peso da não-ingerência naquele primeiro direito – que, em ultima instância, é convertido no direito do investigado a não ser pai a partir de determi- nado momento da vida do pretenso filho –, subestima, de forma radical, o direito à identidade pessoal deste último, tanto mais quanto certo é que, para além do reconhecimento do vínculo jurídico da filiação, nele – e apenas nele – vai implicado também o direito de cada um ao conhecimento da respetiva ascendência genética e à localização no sistema de parentesco. A hipervalorização da posição do investigado, expressa na garantia de que não será confrontado, a não ser em caso de superveniência subjetiva, com o estabelecimento coercivo de uma paternidade não desejada depois de o pretenso filho haver completado 28 anos de idade, tem como inevitável reverso a ablação do direito do investigante a ver completada a sua identidade pessoal – assim como a identidade pessoal dos respetivos descentes – através do conhecimento e do estabelecimento da progenitura, elemento que não só é nuclearmente constitutivo da personalidade de cada indivíduo, como é pressuposto da própria possibili- dade que cada um tem de alcançar uma representação plena de si mesmo enquanto ser «único e irrepetível», de exercer a sua capacidade de autocompreender-se e de autodesignar-se, e de desenvolver a partir daí, em condições de potencial igualdade com os demais, o seu sentido de pertença a uma comunidade. É por entender que a importância da proteção do direito do investigante ao conhecimento e estabe- lecimento da paternidade biológica e a intensidade das consequências da sua não-proteção continuam a justificar, mesmo depois de completados os 28 anos de idade, a ingerência no direito à identidade pessoal do investigado, na sua dimensão negativa ou defensiva, que me afasto da posição que obteve vencimento. – Joana Fernandes Costa. DECLARAÇÃO DE VOTO Tendo sido eu a relatora do Acórdão recorrido n . º 488/18, da 2 . ª Secção, fiquei vencida no Plenário em que se decidiu a oposição de jurisprudência, no qual fez vencimento a tese da constitucionalidade da norma contida no artigo 1817 . º, n . º 1, do Código Civil, na dimensão normativa que se reporta ao estabelecimento de qualquer prazo para a investigação da paternidade, a única que foi decidida pelo Acórdão n . º 488/18. 1. O Direito da Família é um ramo do direito constitucionalizado, enformado por princípios consti- tucionais e pelos direitos fundamentais dos membros da família como indivíduos. A Constituição de 1976 contemplou especialmente este ramo do direito, com o objetivo de substituir a família hierarquizada em função do género, em que o marido era o chefe da família e a mulher casada estava sujeita ao poder marital, por um modelo de família democrático, igualitário e participativo. Para o efeito, a Constituição assentou este novo modelo de família, entre outros, em três grandes princípios: o direito a constituir família e a procriar, independentemente da celebração de casamento (artigo 36 . º, n . º 1, da CRP); o princípio da igualdade dos cônjuges (artigo 36 . º, n . º 3, da CRP) e o princípio da proibição da discriminação dos filhos nascidos fora do casamento (36 . º, n . º 4, da CRP). O reconhecimento judicial da paternidade é um instituto de direito da família que só ganha sentido quando articulado com o sistema de direitos fundamentais constitucionalmente protegido. À ideia de indivíduo como
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