TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

390 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Fora dos casos de impugnação da paternidade [alínea a) ], a possibilidade de efetivação do direito ao conhecimento e ao reconhecimento da ascendência biológica depois de o investigante ter completado 28 anos de idade encontra-se limitada as casos em que o conhecimento dos «factos ou circunstâncias que justifi[cam] a investigação» é posterior àquela data ou, inexistindo paternidade determinada, em que são superveniente- mente conhecidos pelo investigante «os factos ou circunstâncias que possibilit[am] e justifi[cam] a investiga- ção» da paternidade [cfr. alíneas b) e c) do n . º 3 do artigo 1817 . º do Código Civil, respetivamente]. Sucede, contudo, que o exercício do direito à livre conformação da vida não pode deixar de supor um critério de autorevisibilidade, assumindo este, no domínio do conhecimento e do estabelecimento da ascendência, uma relevância, além do mais, particular: sem que nisso possa reconhecer-se qualquer cen- surável manifestação de livre arbítrio, pode muito bem suceder que o investigante, apesar de nunca se ter sentido suficientemente encorajado para enfrentar o repúdio ou a rejeição habitualmente implicados no estabelecimento jurídico da paternidade contra a vontade do progenitor biológico, se considere moralmente vinculado a fazê-lo depois de ele próprio se ter tornado pai, de modo a identidade pessoal dos respetivos descendentes, que compreende a verdade sobre as raízes familiares e genéticas, não seja afetada ou compro- metida pelo desconhecimento da avoenga. É justamente esta a compreensão de que penso dever partir-se na resolução do problema de colisão de direitos fundamentais que tipicamente emerge no domínio da investigação da paternidade: a colisão entre o direito do investigante, enquanto direito de proteção através de prestações normativas, e o direito do inves- tigado, que se opõe àquele como um direito de não ingerência. 8. Tal como os demais casos de colisão de direitos, também este pressupõe a intervenção das regras do «direito constitucional de conflitos», que apontam, num primeiro momento, para uma ideia de harmoni- zação e, no caso de isso ser necessário, para a «prevalência (ou relação de prevalência)» de um direito sobre o outro (J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 7 . ª edição, p. 1274), que poderá impor-se logo a nível legislativo. Porque se trata aqui do conflito entre um direito fundamental, enquanto imperativo constitucional de tutela, e outro direito fundamental, na sua função de proibição de ingerência, haverá que ter presente o seguinte: na concretização dos imperativos de tutela, o legislador ordinário encontra-se vinculado não apenas pelo princípio da proibição da insuficiência – que, conforme se viu, fixa o ponto aquém do qual o nível de proteção se tornará jurídico-constitucionalmente censurável –, como ainda pelo princípio da proibição de excesso, funcionando este como limite máximo da moldura da discricionariedade. Da relação entre a proibição de excesso como limite da interferência permitida e a proibição da insu- ficiência como a garantia do mínimo de proteção constitucionalmente imposto resulta, em primeiro lugar, que o direito a proteger através do cumprimento do imperativo constitucional deverá encontrar-se care- cido de tutela; em segundo lugar, que os meios de direito ordinário mobilizados deverão ser adequados à proteção a realizar; e, por último, que a intervenção na esfera de terceiros por meio da qual a proteção se concretiza está obrigada a respeitar o princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou da razoabilidade da interferência, devendo entender-se que a intervenção na esfera de terceiros por via da qual a proteção é assegurada ultrapassará os seus limites sempre que tal intervenção não for mais razoável, isto é, quando a proteção do direito em carecido de tutela não constituir já fundamento bastante para justificar a restrição do direito que com ele colide. Sendo justamente neste terceiro plano que se joga a conformidade constitucional da norma fiscalizada, é especialmente importante ter presente que, no sopeamento para que remete o princípio da proporcio- nalidade em sentido estrito, o que essencialmente importa é avaliar a força da razão para a intervenção e a robustez da razão invocável contra ela, o que pressupõe a consideração da intensidade das consequências da não-satisfação de um direitos em conflito e da importância da não-ingerência no direito colidente, devendo verificar-se, por último, se o peso da proteção do direito carecido de tutela justifica (ou continua a justificar) a ingerência no direito contraposto (a este propósito, vide Robert Alexy, ob. cit. , p. 594).

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