TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

388 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, é precisamente esse, segundo creio, o vício em que incorre a opção de sujeitar ao prazo de caduci- dade de 10 anos, contado a partir da maioridade ou da emancipação do investigante, a ação de investigação da paternidade, quando por este intentada. 4. Ao prazo de 10 anos estabelecido no n . º 1 do artigo 1817 . º do Código Civil o legislador fixou um dies a quo objetivo: tal prazo inicia-se com a sobrevinda da maioridade ou emancipação do investigante, inde- pendentemente do momento em que o mesmo teve conhecimento da identidade do pretenso progenitor. Uma vez que, neste como em qualquer ou outro domínio, o exercício do direito de ação se encontra – e permanece –, em regra, inviabilizado enquanto existir – e persistir – o desconhecimento da identidade do sujeito que, de acordo com o pedido e a causa de pedir, está em posição de poder ser demandado pelo titular daquele direito, o prazo de 10 anos previsto no n . º 1 do artigo 1817 . º do Código Civil não opera sozinho: a ele aditou o legislador os «verdadeiros prazos de caducidade consagrados nos n. os 2 e 3 do mesmo artigo», destes, no essencial, resultando que, após o esgotamento do prazo de 10 anos previsto no n . º 1 – na hipótese mais frequente, depois de atingidos os 28 anos de idade –, o investigante poderá exercer judicialmente o direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade biológica desde que a ação seja intentada dentro dos três anos subsequentes ao momento em que teve conhecimento de factos ou circunstâncias que possibili- tem e justifiquem a investigação [artigo 1817.º, n . º 3, alíneas b) e c) , do Código Civil]. Para além de fazer recair sobre o investigante o ónus de demonstrar que apenas teve conhecimento dos factos justificativos da investigação em momento compatível com a observância do prazo de caducidade de três anos previsto no n . º 3 do artigo 1817 . º do Código Civil, a hipótese contemplada nas respetivas alíneas b) e c) funda-se exclusivamente em razões de superveniência subjetiva. Isto é, apenas assegura o direito de ação do investigante, após completados os 28 anos de idade, nos casos em que os factos determinativos da investigação, apesar de preexistentes, por alguma razão acabam por revelar-se somente depois de atingido aquele marco temporal; não nas hipóteses em que as razões subjacentes à instauração da ação de investigação da paternidade são objetivamente supervenientes, isto é, se verifiquem depois de o investigante ter comple- tado os 28 anos de idade. 5. Convocando as diferentes perspetivas constitucionais sobre os prazos de caducidade em matéria de ação de investigação de paternidade, a razão de ser e a finalidade do regime acima descrito são esclarecidas e aceites pela maioria com base em dois argumentos essenciais. O primeiro prende-se com a tutela dos «direitos à reserva da intimidade da vida privada e familiar de potenciais investigados e seus familiares»: uma vez que o direito a conhecer e ver reconhecida a progenitura, apesar de constituir uma condição determinante da própria capacidade que cada um tem de autodefinir-se como indivíduo, não é o único que deve ser levado em conta, o legislador encontra-se constitucionalmente autorizado a resolver a colisão de direitos que deste modo de prefigura através do estabelecimento de prazos legais preclusivos do correspondente direito de ação, desde que, conforme se entendeu suceder com aquele que se encontra fixado no n . º 1 do artigo 1817 . º do Código Civil, tais prazos não impeçam que o interessado, «dispondo de um tempo de reflexão razoável, possa esclarecer as suas dúvidas quanto ao pretenso pai e, se for o caso, ver judicialmente reconhecida a sua ascendência biológica e estabelecido o vínculo jurídico de filiação». O segundo argumento prende-se com a própria relevância do conhecimento e reconhecimento da pater- nidade no âmbito do direito à identidade pessoal e com a sua alegada erosão por efeito da passagem do tempo: de acordo com a maioria, o direito ao conhecimento da paternidade biológica, enquanto instrumento de definição e construção da identidade, vai assumindo ao longo da vida do filho diferentes configurações normativas, ao ponto de implicar o redimensionamento desse bem jurídico – «o conhecimento das origens genéticas do ser humano» –, na perspetiva do titular do direito fundamental que o protege, e a correlativa diminuição da «especial força vinculativa» deste último. Pelas razões que passarei a expor, considero que nenhum dos dois argumentos invocados pela maio- ria é suficientemente convincente para legitimar a sujeição do exercício do direito ao conhecimento e

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