TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
386 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido, por entender que as ações de investigação da paternidade não devem ser sujeitas a qual- quer prazo, sob pena de violação do disposto nos artigos 20 . º. n . º 1, e 26 . º, n . º 1, da CRP. Com efeito, o artigo 20 . º, n . º 1, da CRP assegura a todos o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, o que implica que a cada direito – e muito em especial a cada direito fundamental – tem de necessariamente corresponder uma ação. E o reconhecimento legal da paternidade é inequivocamente um elemento integrante do conteúdo do direito à identidade consagrado no artigo 26 . º, n . º 1, da CRP. Ora, nessa perspetiva, mesmo admitindo que a verdade biológica não é um valor constitucional absoluto – até porque não existem valores constitucionais absolutos – não encontro razões bastantes para justificar uma restrição ao acesso aos meios legais de tutela daquele direito fundamental, nomeadamente através do estabelecimento de um prazo legal de caducidade do direito de ação de dez anos, como faz o artigo 1817 . º, n . º 1, do CC, na redação da Lei n . º 14/2009. Não creio, nomeadamente, que o valor da segurança jurídica do investigado e dos seus herdeiros, que é recorrentemente invocado como ratio legis daquela restrição, seja suficientemente forte para prevalecer sobre o reconhecimento dos vínculos biológicos que contribuem para a definição da identidade pessoal, tanto do progenitor como do filho. Não é, desde logo, porque a ideia de estabilidade de um núcleo familiar assente no casamento em que essa conceção se fundamenta não encontra apoio numa interpretação atual dos conceitos constitucionais de família e de casamento. Mas não é, também, porque a mera expectativa dos herdeiros de vir adquirir o património do investigado por via sucessória não se encontra abrangida pelo âmbito de proteção da garantia constitucional da propriedade privada e não pode, em qualquer caso, sobrepor-se aos direitos pessoais do investigante. – Claudio Monteiro. DECLARAÇÃO DE VOTO Vencida. 1. Em discordância com a posição que fez vencimento, pronunciei-me pela inconstitucionalidade, por violação do direito à identidade pessoal e do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, consagrados no artigo 26 . º, n . º 1, da Constituição, da solução imposta pelo artigo 1817 . º, n . º 1, do Código Civil, na redação da Lei n . º 14/2009, aplicável ex vi do disposto no artigo 1873 . º do mesmo diploma, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873 . º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante. Tal como, de resto, o faz a maioria, tenho por certo que o direito ao conhecimento da paternidade biológica e o direito ao estabelecimento do correspondente vínculo jurídico constituem refrações do direito à identidade pessoal, encarada «como o conjunto de atributos e características que permitem individualizar cada pessoa na sociedade e que fazem com que cada indivíduo seja ele mesmo e não outro, diferente dos demais» (Acórdão n . º 401/11). E considero também que a identidade pessoal engloba, como seu «dado importantíssimo», a historicidade pessoal e esta, por sua vez, a verdade biográfica e o seu itinerário, elementos nos quais o conhecimento da ascendência assume uma relevância nuclear: uma vez que por essa via se alcança a «identidade daqueles que contribuíram biologicamente para a formação do novo ser» e de todos os seus eventuais descendentes, o estabelecimento da progenitura constitui um elemento indispensável «no processo de autodefinição individual», permitindo a cada um «encontrar pontos de referência seguros de natureza genética, somática, afetiva ou fisiológica», através do conhecimento das «origens do seu ser» ( idem ). Embora o Tribunal tenha assinalado já a diferença existente entre o direito ao conhecimento da pater- nidade biológica e o direito ao estabelecimento do vínculo jurídico da filiação – considerando-os dimensões autónomas do direito à identidade pessoal (cfr. Acórdão n . º 225/18) –, entendo, porém, que tal distinção dificilmente poderá ser transposta para fora do âmbito do instituto da adoção (cfr. artigo 1990 . º-A do
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