TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
384 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III – Decisão 3. Pelo exposto, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817 . º, n . º 1, do Código Civil, na redação da Lei n . º 14/2009, aplicável ex vi do disposto no artigo 1873 . º do mesmo diploma, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873 . º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante. b) Conceder provimento ao recurso e revogar o Acórdão n . º 488/18. Sem custas. Lisboa, 3 de julho de 2019. – João Pedro Caupers – Maria José Rangel de Mesquita – Fernando Vaz Ven- tura – Lino Rodrigues Ribeiro – Pedro Machete – José Teles Pereira – Maria de Fátima Mata-Mouros – Gonçalo Almeida Ribeiro (com declaração) – Claudio Monteiro (vencido, com os fundamentos da declaração anexa) – Joana Fernandes Costa (vencida, conforme declaração junta) – Maria Clara Sottomayor (vencida conforme declaração que junto) – Manuel da Costa Andrade (vencido nos termos da declaração que junto) – A Con- selheira Catarina Sarmento e Castro, que já cessou funções no Tribunal Constitucional, ficou vencida. João Pedro Caupers. DECLARAÇÃO DE VOTO Subscrevo o juízo de não inconstitucionalidade pelas seguintes razões. O prazo para a propositura da ação de investigação da paternidade definido no n . º 1 do artigo 1817 . º do Código Civil, ex vi do artigo 1873 . º, realiza uma indispensável concordância prática entre o direito à identi- dade pessoal do investigante e o do investigado e seus familiares (artigo 26 . º, n . º 1, da Constituição). O pri- meiro tem um conteúdo positivo, correlativo do dever estatal de instituir um meio processual que possibilite a investigação e o estabelecimento da filiação biológica. O segundo tem um conteúdo negativo, correlativo do dever estatal de não interferência na formação e vivência da identidade pessoal dos indivíduos, nomea damente no que respeita ao universo das suas relações familiares. Trata-se, assim, de uma verdadeira colisão de direitos fundamentais, em que a opção do legislador deve ser submetida a um escrutínio particularmente cuidadoso e severo, em virtude de nos situarmos – como se afirma na decisão – no domínio de incidência da proibição de discriminação dos filhos nascidos fora do casamento (artigo 36 . º, n . º 4, da Constituição), domínio esse em que se pode suspeitar razoavelmente do cumprimento da promessa constitucional, solene mente firmada no n . º 1 do artigo 13 . º, de que todos os cidadãos serão tratados pela lei como iguais. É ponto assente que, gerando a procriação, ressalvado o caso especial da procriação medicamente assis- tida dita heteróloga, responsabilidades na esfera dos progenitores, que se reconduzem ao estatuto jurídico de mãe e pai, o interesse do descendente no estabelecimento da paternidade prevalece sobre um eventual inte resse do progenitor de sentido contrário. Na verdade, o interesse do progenitor, manifestado no momento do nascimento ou no decurso da menoridade do descendente, em não assumir a condição de pai ou dela se desfazer, é ilegítimo e irrelevante, não merecendo tutela de espécie alguma. Não é de admirar, por isso mesmo, que a forma paradigmática de estabelecimento da paternidade – a presunção pater est quem justae nuptiae demonstrant – dispense absolutamente o consentimento do visado. A paternidade, não deixando de ser um direito, é sobretudo uma responsabilidade, pelo que não pode ser recusada ou renunciada. Porém, nos casos em que a paternidade não se estabelece até o filho atingir a maioridade – ou seja, no decurso do período em que o estatuto jurídico de pai se reveste de importância máxima e em que por norma
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