TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

383 acórdão n.º 394/19 Ora, comparando os benefícios, individuais e sociais, acima descritos, assegurados pelo prazo de caduci- dade, com os custos, essencialmente patrimoniais, sofridos pelo investigante por causa da sua inobservância, parece claro que não estamos perante uma medida legal desproporcional, e, muito menos, manifestamente desproporcional, como se sustenta no acórdão recorrido. Indispensável é que esteja assegurado o exercício efetivo do direito de ação de investigação da paterni- dade dentro do prazo de caducidade legalmente previsto e em termos compatíveis com a natureza especial- mente pessoal do direito fundamental a tutelar. E afigura-se que está, considerando a função essencialmente corretiva que os n. os 2 e 3 do artigo 1817 . º do CC exercem na economia global do preceito. Como o Acórdão n . º 401/11 sublinhou, estas normas previnem a hipótese de não estarem reunidas as condições de facto e de direito necessárias ao exercício do direito de ação dentro do prazo (objetivo) de dez anos previsto no n . º 1 do mesmo preceito legal, aditando a este prazo mais três anos, que apenas começará a correr quando essas mesmas condições estiverem efetivamente verificadas. A extinção do direito ao conhe­ cimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico só operará depois de esgotados todos os prazos de caducidade previstos no artigo 1817 . º do CC – o que constitui uma importante válvula de segurança do sistema. Acresce que, de modo a adequar o funcionamento do prazo de caducidade à natureza pessoalíssima do direito que lhe está subordinado, o legislador optou pela utilização de conceitos abertos e indeterminados na fixação do termo inicial de alguns dos prazos de caducidade acrescidos previstos no artigo 1817 . º do CC. Com efeito, de acordo com o n . º 3 deste preceito legal, aplicável ex vi do artigo 1873 . º, a ação pode ainda ser proposta nos três anos posteriores ao conhecimento, pelo investigante, após o decurso do prazo previsto no n . º 1, de «factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação», designadamente quando cesse o trata- mento como filho pelo pretenso pai [alínea b) ], e, em caso de inexistência de paternidade determinada, nos três anos seguintes ao conhecimento superveniente de «factos ou circunstâncias que possibilitem ou justi- fiquem a investigação» [alínea c) ]. Desse modo, garante-se ao titular do direito fundamental virtualmente afetado pelo prazo de cadu- cidade a possibilidade de instaurar a ação quando, uma vez decorrido o prazo previsto no n . º 1 do artigo 1817 . º do CC, surjam factos ou circunstâncias que tornem razoável o exercício tardio do direito de ação. A ausência de uma tipificação fechada dos factos ou circunstâncias justificativos da instauração da ação após o transcurso desse prazo permite ao aplicador do direito, em especial ao juiz, a formulação de juízos de ponderação suscetíveis de cobrir a especificidade de cada caso concreto sujeito à sua apreciação e integrar no conceito legal todos os factos e circunstâncias concretas, de natureza objetiva e/ou subjetiva, que possam justificar, à luz desse padrão de razoabilidade, o exercício do direito de ação após os 28 (ou 26) anos de idade do investigante. O que a lei não consente – e a Constituição manifestamente não tutela – é o exercício arbitrário do direito de ação de investigação da paternidade a qualquer tempo. Se é verdade que a decisão de instaurar estas ações, atenta a sua natureza, convoca complexas e singularizadas valorações pessoais, com forte carga emocional, também é verdade que, estando em causa uma decisão que pode ter graves implicações, jurídicas e pessoais, para terceiros, é exigível que a essa complexa ponderação se siga uma tomada de decisão respon- sável e madura. Ora, apesar de o regime jurídico aplicável prever essa possibilidade, certo é que, no caso que deu origem ao presente recurso, a autora não alegou quaisquer circunstâncias que pudessem justificar, à luz do disposto nos n. os 2 e 3 do artigo 1817 . º do CC, que tenha instaurado a ação de investigação da paternidade quase vinte anos depois de ter atingido a maioridade. Por tudo quanto se disse, não se afigura que a norma do n . º 1 do artigo 1817 . º do CC, ao estabelecer o prazo de caducidade para o exercício do direito de ação de investigação da paternidade, seja inconstitucional, conclusão que sai reforçada pelo facto de o efeito extintivo que lhe está associado apenas se produzir quando se esgotar, não apenas o prazo aí previsto, mas todos os outros que o mesmo preceito legal prevê, com grande amplitude, nos seus n. os 2 e 3.

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