TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

382 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Uma norma que, nessas fases decisivas, negasse o exercício do direito de ação de investigação da pater- nidade, deixaria desprotegidos todos esses bens jurídicos pessoais, afetando, na essência, o direito ao conhe- cimento e reconhecimento jurídico da paternidade (precisamente por esta razão, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional o prazo de caducidade de dois anos estabelecido pela anterior redação do n . º 1 do artigo 1817 . º do CC). Porém, com a passagem do tempo, este direito vai adquirindo novas cambiantes. Mostrando-se doutro modo assegurados esses mesmos bens jurídicos, seja pela restante família, seja pelo Estado, na falta ou inca- pacidade daquela, o direito ao conhecimento e reconhecimento jurídico da paternidade passa a assumir na fase adulta uma dimensão essencialmente patrimonial. É que nesta fase já não é materialmente possível dar satisfação aos bens jurídicos pessoais tutelados por aqueles direitos, que, por isso, viram o seu conteúdo original irremediavelmente comprimido, não por força de qualquer norma, mas por efeito da mera passagem do tempo. Pura e simplesmente, deixou de fazer sentido falar em proteção, saúde e educação; a assistência tutelável por meio dos tribunais é, agora, exclusi- vamente patrimonial e assume a forma obrigacional de direito a alimentos, em vida do pai [artigos 2003 . º, n . º 1, 2004 . º, 2009 . º, n . º 1, alínea c) , e 2013 . º, alínea a) , do CC], e de direitos sucessórios, após a sua morte (artigo 2157 . º, do mesmo Código). Vistas as coisas nesta perspetiva – e não se afigura que possam ser vistas noutra –, há que reconhecer que os bens jurídicos do filho concretamente atingidos pelo prazo de caducidade não assumem, na «hierarquia axiológica da Constituição», o valor (quase) absoluto que a decisão recorrida lhes atribui, mesmo quando confrontados com a esfera jurídico-constitucional do pai (cfr. ponto 2.6.2.). E, sendo assim, também não há razão para concluir que as finalidades prosseguidas através do estabe- lecimento de prazos de caducidade para o exercício do direito de ação de investigação da paternidade são atingidas à custa de bens que, na perspetiva da Constituição, valem muito mais do que aqueles que, direta ou reflexamente, são tutelados por esses mesmos prazos. Como se sustentou, o estabelecimento do prazo de caducidade visa também propiciar que as ações de investigação da paternidade sejam instauradas antes de o filho atingir a idade (fase) adulta, de modo a assegurar-se a tutela jurisdicional efetiva dos bens jurídicos pessoalíssimos protegidos pelos direitos funda- mentais ao conhecimento e reconhecimento jurídico da paternidade que lhe assistem. Trata-se de um valor que, simultaneamente, assume enorme importância pública, considerando os efeitos intensamente positivos que para a sociedade decorrem da ação protetora e educacional dos pais em relação aos filhos e os efeitos intensamente negativos que a falta dessa intervenção provoca para a organização e desenvolvimento da socie- dade, sendo sempre insuficientes as respostas subsidiárias asseguradas a esse nível pela família alargada e pelo próprio Estado. Os direitos que o legislador pretende assegurar, em primeira linha, são, assim, os direitos fundamentais pessoais do próprio filho – o direito a crescer, senão com o afeto, que não pode ser imposto por lei, pelo menos com a proteção e a educação que os pais estão juridicamente obrigados a assegurar. A satisfação a tempo desses direitos fundamentais beneficiará, não apenas o titular, mas também toda a sociedade, que ficará desonerada dessa função de primeira assistência e beneficiará, ela própria, da «insubstituível ação dos pais em relação aos filhos» (artigo 68 . º, n . º 1, da Constituição), o que é também um valor constitucional acrescentado à opção legal. Por outro lado, a atempada constituição da relação jurídica de filiação, viabilizando a consolidação no tempo de uma relação juridicamente pautada pela observância de deveres recíprocos de respeito, auxílio e assistência (artigo 1874 . º, n . º 1, do CC), acabará a seu tempo por beneficiar também o próprio pai e, mais uma vez, toda a sociedade, que poderá igualmente contar com a insubstituível ação cuidadora dos filhos em relação aos pais que dela careçam, por razões de doença ou idade avançada, o que, por sua vez, contribuirá para diminuir o risco de «isolamento» ou «marginalização social» a que a «terceira idade» está sujeita por força da sua maior fragilidade (cfr. artigo 72 . º da Constituição).

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