TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
380 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A procedência da ação de investigação da paternidade determina a constituição da relação jurídica de filiação, que é, note-se, uma relação jurídica bilateral, com direitos e obrigações recíprocas, de natureza pes- soal e patrimonial, para ambos os sujeitos da relação (pai e filho), especialmente para o primeiro, conside- rando o especial relevo legal conferido à matéria das «responsabilidades parentais». Tem, por isso, uma forte repercussão na vida pessoal, familiar, social e patrimonial do investigado. Ora, se na fase da infância e juventude do filho a estabilidade do pai claramente não merece tutela cons titucional, quando comparada com os prementes direitos do filho, já não é possível afirmar-se que esse valor seja constitucionalmente irrelevante quando o filho é já uma pessoa adulta e formada e o pai está numa fase avançada do seu percurso individual de vida. Com efeito, tal percurso individual de vida tem precisamente nos direitos fundamentais à identidade e à família um importante instrumento constitucional de tutela. Também o pai biológico, como qualquer cidadão, foi construindo ao longo do tempo a sua identidade, pelas múltiplas vinculações, designadamente familiares, que estabeleceu, e donde extraiu, não apenas elementos fundamentais de autodefinição pessoal e social, mas também uma base de sustentação, pessoal e patrimonial, que é a sua e da família com quem esta- beleceu uma relação efetiva – bens que, nesse específico contexto situacional e temporal, não podem deixar de beneficiar também da proteção dos artigos 26 . º, n . º 1, 36 . º e 67 . º, n . º 1, da Lei Fundamental. Encarando o problema dos prazos de caducidade apenas sob o ponto de vista da relação pai-filho, pode questionar-se o mérito de uma solução legal que, impedindo o exercício do direito de ação do filho após um determinado prazo, acaba por beneficiar a posição jurídica de quem não o merece, na sub-hipótese, que também não é certa, de o pai ter conscientemente fugido às suas responsabilidades parentais; mas não se pode dizer que esta solução seja manifestamente carecida de base constitucional de apoio. Por outro lado, deve também reconhecer-se que o mero prosseguimento das ações, atenta a natureza das questões de facto e de direito aí debatidas, produz, só por si, graves perturbações na vida pessoal e familiar do investigado, ainda que no final aquelas venham a ser julgadas improcedentes. Na hipótese de o investigado não ser o pai biológico do investigante – também incluída no âmbito de incidência da norma do n . º 1 do artigo 1817 . º do CC –, a pertinência constitucional do prazo de caduci- dade, avaliada à luz dos direitos fundamentais à identidade e à família, impõe-se com particular evidência. Com efeito, a passagem do tempo é aqui valorada pela lei em favor de um terceiro, o que reforça a justifi- cação constitucional da solução de impedir que, decorrido esse prazo, sejam instauradas ações judiciais cujo prosseguimento tem, só por si, a virtualidade de colocar em crise aqueles direitos. Contrariamente ao que se sustenta na decisão recorrida, a opção legal de estabelecer um prazo de cadu- cidade para o exercício do direito de ação de investigação da paternidade não é, pois, manifestamente infun- dada ou arbitrária, seja considerando o interesse público prosseguido, seja considerando os direitos funda- mentais igualmente atendidos. 2.7. A adequação e proporcionalidade da opção de estabelecer o prazo de caducidade para o exercício do direito de ação de investigação da paternidade Finalmente, cumpre verificar se o estabelecimento do prazo de caducidade para o exercício do direito de ação de investigação da paternidade restringe de forma manifestamente desadequada e desproporcional os direitos fundamentais ao conhecimento e reconhecimento jurídico da paternidade biológica do investigante, como a decisão recorrida igualmente sustenta. Agora já não está em causa a valia constitucional das razões da opção legal, mas a sua adequação e proporcionalidade (artigo 18 . º, n . º 2, da Constituição). Tal como se esclareceu, a fixação de limites temporais ao exercício do direito de ação de investigação da paternidade tem também por objetivo estimular a rápida instauração deste tipo de ações, de modo a não deixar desprotegidos os bens eminentemente pessoais que os direitos fundamentais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico protegem, o que vai ao encontro da preocupação constitucional, expressa nos artigos 36 . º, n. os 5 e 6, 67 . º, n. os 1 e 2, alínea c) , 68 . º, n . º 1, 69 . º e
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