TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
38 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 21. Pressupondo a exclusão do poder de interferência dos órgãos de governo próprio das regiões na definição do estatuto das autarquias locais nelas sediadas, a garantia institucional da autonomia local em todo o território nacional integra, como um dos elementos dessa autonomia, a «autonomia em matéria de pessoal». Conforme se escreveu no Acórdão n.º 494/15, atrás citado: «A autonomia em matéria de pessoal é um dos «elementos» constitutivos da autonomia local consagrada na Constituição (Gomes Canotilho/ Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. II, Coimbra Editora, 2010, p. 750) e abrange o poder de as autarquias disporem de «quadros de pessoal próprio», ou seja, dis- tintos dos do Estado ou das Regiões (artigo 243.º, n.º 1, da Constituição). A existência de mapas de pessoal próprio significa que os trabalhadores «das autarquias não são funcionários do Estado, mas delas mesmas; cada autarquia tem um corpo próprio de funcionários, independente do Estado e das demais autarquias. Por outro lado, as autarquias podem criar autonomamente, nos limites da lei, os seus quadros de pessoal necessário para a gestão das suas atividades, segundo o princípio da liberdade de escolha do sistema de organização» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. II, p. 750). Como se afirma no Preâmbulo da Carta Europeia de Autonomia Local, esta «supõe a existência de autarquias locais dotadas de órgãos de decisão constituídos democraticamente e beneficiando de uma ampla autonomia quanto às competências, às modalidades do seu exercício e aos meios necessários ao cumprimento da sua missão». Estabelece o artigo 9.º, n.º 1, desta Carta que «as autarquias locais têm direito, no âmbito da política económica nacional, a recursos próprios adequados, dos quais podem dispor livremente no exercício das suas atribuições». Nestes recursos incluem-se os recursos financeiros, mas também os recursos humanos necessários e adequados à “prossecução dos interesses próprios das populações”. Aos trabalhadores em funções públicas das autarquias locais é aplicável o mesmo regime jurídico do dos traba- lhadores do Estado, «com as adaptações necessárias, nos termos da lei» (artigo 243.º, n.º 2) «tanto no que respeita ao regime constitucional como no que se refere ao regime legal». As “adaptações necessárias” salvaguardam, no entanto, «regimes próprios referentes à constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na administração local» e a «autonomia contratual» (Gomes Canotilho/ Vital Moreira, ob . cit . , p. 750). Assim, «a equivalência de regimes jurídicos não obsta a que o legislador disponha de modo diverso para os trabalhadores da administração local. Não exclui a diferenciação de regimes laborais. Não por acaso, por isso, o n.º 2 alude às “necessárias adaptações”» (J. Miranda/ A. Fernanda Neves, anotação ao artigo 243.º, in Constituição Portuguesa Anotada, J. Miranda/ R. Medeiros (org.), t. III, Coimbra Editora, 2007, p. 508).» Aos funcionários que integram o “quadro de pessoal próprio” das autarquias locais é aplicável, pois, de acordo com o disposto no artigo 243.º, n.º 2, da Constituição, o mesmo regime jurídico a que se encontram sujeitos os agentes e trabalhadores do Estado, “com as adaptações necessárias, nos termos da lei”. Ora, por força da reserva relativa de competência constante da alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, em conjugação com o limite negativo da competência legislativa das regiões autónomas resul- tante da alínea b) do n.º 1 do artigo 227.º, a lei que, nos termos previstos no artigo 243.º, n.º 2, adapta aos funcionários e agentes da administração local (também) das regiões autónomas o regime dos funcionários e agentes do Estado só pode ser uma lei parlamentar ou um decreto-lei autorizado. Isto é, pressuposta a equivalência de regimes jurídicos entre os funcionários e agentes do Estado e os funcionários e agentes da administração local, somente o legislador nacional pode decidir se e em que medida a salvaguarda da “indi- vidualidade jurídica das autarquias locais como sujeitos empregadores” (cfr. Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, Anotação ao artigo 228.º, p. 508) pode justificar ou até mesmo impor uma diferenciação de regimes laborais, designadamente no que à retribuição diz respeito. É por isso que, apesar de o legislador nacional tardar em editar o “diploma próprio” que criará, jun- tamente com a “Tabela Única de Suplementos”, as condições necessárias para a efetivação do direito dos trabalhadores da administração local ao abono dos suplementos remuneratórios que lhes são devidos de
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