TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
379 acórdão n.º 394/19 CC), contrariamente ao que sucede com a prescrição, que apenas se aplica, como regra geral, aos direitos disponíveis, inclusive aos direitos da herança (cfr. artigos 298 . º, n. os 1 e 3, 309 . º e 322 . º do CC); a cadu- cidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes (artigo 333 . º, n . º 1), contrariamente ao que sucede com a prescrição, que, não sendo aplicável a direitos indisponíveis, é suscetível de renúncia (artigo 302 . º, n . º 1, do CC) e necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita (artigo 303 . º do CC); o prazo de caducidade também não se suspende nem interrompe (artigo 328 . º), diferentemente do que acontece com o prazo de prescrição (artigos 318 . º, 323 . º e 325 . º do CC). Afigura-se que é essa mesma preocupação fundamental de oportuna definição de situações jurídicas pendentes de clarificação que justifica o estabelecimento do prazo de caducidade previsto no n . º 1 do artigo 1817 . º do CC e do regime especialmente «enérgico», acima descrito, a que este mesmo prazo está sujeito. Ao consagrá-lo numa área tão sensível como essa, o legislador pretende que a relação jurídica de filiação se constitua o mais precocemente possível porque não é bom para as crianças e jovens, nem para a sociedade em geral, que a pessoa que tem a obrigação natural de lhes dar a proteção e o apoio necessários ao seu são desenvolvimento não seja oportunamente identificada e responsabilizada. Depois disso, ela já não terá a virtualidade de fazer retroagir no plano da vida os efeitos estruturantes e estabilizadores que a ordem jurídica lhe associa, sendo, pelo contrário, fonte de conflitos essencialmente patrimoniais, que precisamente decor- rem da ausência do substrato afetivo que só o tempo e a entreajuda diária conferem às relações familiares, independentemente da existência ou não de laços de sangue. Bem vistas as coisas, algumas das explicações que a jurisprudência constitucional tem, até hoje, dado a essa opção normativa – como a de evitar a instrumentalização do direito de ação para fins exclusivamente patrimoniais –, reconduzem-se a essa ideia matricial. Não pode deixar de se reconhecer que a possibilidade de instauração a todo o tempo da ação de inves- tigação da paternidade, inclusive após o falecimento do pretenso pai, afasta o meio judicial de tutela do seu objetivo principal, que é o de assegurar a constituição de laços familiares que efetivamente cumpram a sua função de proteção e apoio, apoio que, sendo também de ordem patrimonial, é, sobretudo, de ordem edu- cacional e afetiva. Alguns dos autores que defendem a ausência de prazos de caducidade para o exercício do direito de ação de investigação de paternidade reconhecem-no e, por isso, alvitram soluções, seja pela via do abuso de direito, seja pela via da cisão do estatuto pessoal e patrimonial do filho, que impeçam a descarateri- zação ou “patrimonialização” de uma relação jurídica que deve ser muito mais do que o exercício unilateral de direitos patrimoniais, designadamente de ordem sucessória (cfr. ponto 9., parágrafo primeiro, da decisão recorrida). A norma do n . º 1 do artigo 1817 . º do CC, estimulando o exercício do direito de ação no prazo de cadu- cidade aí estabelecido, viabiliza a constituição da relação jurídica de filiação a tempo de assegurar ao filho, que então terá no máximo 28 anos de idade, a efetiva satisfação dos bens jurídicos pessoais tutelados pelos direitos que para si dela emergem. Deste modo, reconduz o direito de ação à sua função primária, que é a de garantir, por meio dos tribunais, isso mesmo. Tanto bastaria para afastar a tese, sufragada pela decisão recorrida, da irrelevância constitucional das razões determinantes do estabelecimento do prazo de caducidade consagrado no n . º 1 do artigo 1817 . º do CC. 2.6.2. Porém, mesmo analisando a questão na perspetiva da posição jurídico-constitucional do inves- tigado, não é aceitável um tal entendimento. E para o demonstrar não é sequer preciso sair da zona jusfun- damental em que se congregam os direitos que a mesma decisão invoca como insuscetíveis de compressão temporal, a do direito à identidade pessoal e a do direito à família. É que as ações de investigação da paternidade, atentos os efeitos jurídicos constitutivos da sua procedên- cia, não afetam apenas a identidade do investigante – que, para todos os efeitos jurídicos, passa a ser filho do investigado –, mas também a identidade deste último, que, com essa mesma amplitude jurídica, passa a ser pai do investigante.
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