TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
378 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico. Isto significa que, persistindo o litígio substancial, o titular desses direitos não mais poderá saber se a pessoa a quem imputa a sua paternidade é efetivamente seu pai biológico e, em caso afirmativo, exercer em relação a ela os direitos (e obrigações) que integram o conteúdo próprio da relação jurídica de filiação. Não havendo razões constitucionalmente aceitáveis que justifiquem o estabelecimento de prazos de caducidade, numa matéria que reconhecidamente interfere com zonas centrais de definição e realização da pessoa enquanto tal, parece claro que o legislador não poderá tomar essa opção. Na tese do Acórdão recorrido, é o que acontece com o prazo de caducidade previsto no n . º 1 do artigo 1817 . º do CC, que não tem a sustentá-lo nenhuma razão com força constitucional suficiente para justificar tão graves efeitos preclusivos. A seu ver, nenhum dos «argumentos» invocados pelo Acórdão n . º 401/11 para justificar o estabeleci- mento desse prazo é constitucionalmente atendível: não o é o argumento que se prende com a necessidade de impedir a instrumentalização da ação de investigação da paternidade para a realização de um «objetivo egoístico e patrimonial do investigante, que apenas procura obter os efeitos sucessórios decorrentes da quali- dade de herdeiro legitimário»; não o é o argumento da defesa da «segurança jurídica do investigado e dos seus herdeiros»; não o é o argumento que evoca a existência de um «pretenso ónus de diligência» do investigante e nem sequer aquele que defende «[os] direito[s] à privacidade e à paz familiar» do investigado. Vejamos se é de aceitar um tal entendimento. A reavaliação do problema da inconstitucionalidade do prazo de caducidade para o exercício do especí- fico direito de ação em análise, na perspetiva da sua justificação constitucional, não pode deixar de começar pela determinação da razão de ser e finalidade última da caducidade, que é uma das principais manifestações da repercussão do tempo nas relações jurídicas. Com efeito, a caducidade, em sentido estrito, «exprime a cessação de situações jurídicas pelo decurso de um prazo a que estejam sujeitas», fazendo incidir contra elas a passagem do tempo (António Menezes Cor- deiro, «Da caducidade no direito português», in Estudos em Memória do Professor Doutor José Dias Marques , Coimbra, Almedina, 2007, p. 9). Reportando-se predominantemente a direitos de natureza potestativa, que têm por contraponto passivo, não uma «obrigação», mas um «estado de sujeição», ela tem a importante fun- ção de impelir as pessoas contra quem pode atuar de exercer esse tipo de direitos, «de modo a que eles não subsistam, pendentes, na ordem jurídica, com as sequelas da indefinição e incerteza» ( ob. cit. , p. 30). Assumindo ou não um alcance punitivo ou responsabilizador, a função essencial da caducidade é, pois, a de garantir que a situação jurídica se defina dentro do prazo estabelecido. Aqui, o tempo assume rele- vância num momento em que os direitos ainda se não constituíram na esfera jurídica do titular do direito potestativo (que os pode vir a adquirir se quiser, reunidos que estejam os pressupostos de facto e de direito legalmente previstos para o efeito). Deste modo, a caducidade age sobre relações jurídicas que, podendo ou não vir a converter-se em relações obrigacionais, ainda não estão como tal definidas na ordem jurídica; não sobre relações que, como estas últimas, têm já um conteúdo jurídico estabelecido. Como nota Menezes Cordeiro, desde o início do século XX que a doutrina se foi apercebendo da diferença que existia entre «a prescrição e a existência de prazos para o exercício de certas posições». Neste enquadramento, dá-se conta da forma expressiva como Guilherme Moreira, já em 1907, havia isolado do conceito de prescrição aquilo a que o próprio chamava «termo prefixado para o exercício de direitos». Expli- cava este autor que, «ao contrário da prescrição, o [termo prefixado para o exercício de direitos] não atinge os direitos subjetivos mas, apenas, os ‘poderes’ de os constituir, isto é, os direitos potestativos», domínio onde o fator tempo seria um «elemento essencial», o que explicaria o caráter «mais enérgico» do regime do «termo prefixado», quando comparado com o regime da prescrição ( ob. cit. , p. 16). Sendo ainda hoje aceitável esse critério de distinção, como sustentado, é possível encontrar no atual regime da caducidade traços distintivos que efetivamente demonstram a especial força normativa que o tempo assume neste domínio. A título de exemplo, a lei admite que ocorra caducidade de direitos em maté- ria indisponível, ainda que só nos casos expressamente previstos (cfr. artigos 298 . º, n . º 2, e 330 . º, n . º 1, do
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