TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

376 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Nesta perspetiva dinâmica da identidade pessoal, que é a adotada pela Constituição, não pode deixar de se reconhecer que o direito ao conhecimento da paternidade biológica, enquanto instrumento de definição e cons­ trução da identidade, vai assumindo ao longo da vida do filho diferentes configurações normativas, que acom- panham e refletem os seus diferentes estádios de desenvolvimento e toda a sua progressão individual e social. O ser humano, até por força da sua propulsão reintegrativa, busca no presente e, sobretudo, no futuro, as compensações necessárias ao seu reequilíbrio, face a perdas e insuficiências que possam ter marcado o seu passado desde o nascimento. Por isso e para isso, reforça os laços de parentesco que tem e conhece, forma novos e variados laços familiares, que se multiplicam, constrói e sedimenta relações de amizade, escolhe e exerce uma profissão, insere-se numa comunidade social e política, retirando do enorme leque de relações humanas que no seu percurso estabelece e mantém o caudal de afeto, força e esperança indispensável ao seu próprio desenvolvimento e ao daqueles que de si dependem. Tudo isso passa a fazer parte da identidade pes- soal do filho, mesmo daquele que desconhece a identidade do pai biológico, e a ocupar, em medida conside­ rável, o espaço da tutela constitucional que lhe é reconhecida pelo n . º 1 do artigo 26 . º da Lei Fundamental. O tempo – melhor, a inelutável passagem deste – é, pois, um facto que a ordem jurídica no seu todo, desde a Constituição à lei, não pode ignorar, mesmo no domínio constitucionalmente sensível do conheci- mento das origens genéticas do ser humano, sendo certo que entre o nascimento e a morte deste ocorrem evoluções muitíssimo relevantes do ponto de vista do desenvolvimento da personalidade e da construção da identidade pessoal – pressupostos, de resto, e tutelados pela própria Lei Fundamental –, que não podem deixar de implicar o redimensionamento desse bem jurídico ao longo do tempo, na perspetiva do titular do direito fundamental que o protege. Vejamos, sucintamente, em que termos a Constituição o faz. Os artigos 69 . º e 70 . º da Constituição destacam duas etapas ou fases fundamentais do processo de desenvolvimento humano, a da «infância» e a da «juventude», a que dedicam, respetivamente, regimes espe- ciais de proteção. Nos termos do primeiro dos citados preceitos constitucionais, «as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral» (n . º 1), devendo o Estado, por força do segundo, adotar uma «política de juventude» que tenha como objetivos prioritários, designa- damente, «o desenvolvimento da personalidade dos jovens» e «a criação de condições para a sua efectiva integração na vida ativa» (n . º 2).  Ao consagrar tais diretrizes normativas, o que a Constituição pretende assegurar é que o processo de autonomização dos cidadãos se faça, em relação ao seu agregado familiar de origem, de forma gradual e sustentada, acautelando-se a montante o desenvolvimento são e equilibrado da personalidade das crianças e dos jovens. Na conceção constitucional – e, convenhamos, na perceção intuitiva de todos nós –, a infância e a juventude são, pois, etapas fundamentais na estruturação e desenvolvimento da personalidade do indivíduo, que merecem, por isso, especial proteção da família e do Estado. É, pois, também nesta fase da vida que o direito fundamental ao conhecimento da paternidade biológica assume, no sistema constitucional, especial força vinculativa, reconhecendo a Constituição, como reconhece, a importância que a presença dos pais e a interação com estes assume na estruturação e formação da per- sonalidade do ser humano, enquanto indivíduo e membro de uma sociedade de homens e mulheres livres (artigo 68 . º). Pode antecipar-se que as coisas não se passam de modo essencialmente diferente no que respeita ao direito a constituir família. Como se afirma no Acórdão n . º 401/11, o direito fundamental a constituir família consagrado no n . º 1 do artigo 36 . º da Constituição, não pode deixar de implicar para o Estado a obrigação de disponibilizar meios jurídicos que permitam a constituição do vínculo jurídico da filiação entre pais e filhos biológicos (ponto 6.). O tratamento que a Lei Fundamental dá ao vínculo jurídico da filiação, uma vez constituído, mostra que a preocupação fundamental do poder constituinte subjacente à consagração dessa obrigação do Estado se projeta, mais uma vez, nas etapas iniciais do desenvolvimento da pessoa humana: o artigo 36 . º determina

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