TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
373 acórdão n.º 394/19 Não há, pois, qualquer dúvida de que, pelo menos até ao esgotamento de todos os prazos de caducidade previstos no artigo 1817 . º do CC (a eles voltaremos mais adiante), a opção do legislador foi a de conceder ao direito ao conhecimento da identidade da paternidade biológica uma proteção jurisdicional praticamente absoluta. 2.5. As diferentes perspetivas constitucionais sobre os prazos de caducidade da ação de investigação da paternidade 2.5.1. Para quem entenda que o problema constitucional ora em análise se reconduz, em primeira linha, ao controlo da suficiência da proteção do direito ao conhecimento e reconhecimento da paterni- dade, enquanto componente essencial dos direitos à identidade pessoal e a constituir família, o legislador democrático está habilitado a adotar soluções, que, em função da salvaguarda de outros interesses cons titucionalmente relevantes, e desde que não ponham em causa a efetiva possibilidade de exercício pleno do direito fundamental a proteger, consagrem uma tutela deste último com intensidade diferenciada, não impondo a Constituição como única solução legítima aquela que maximize a sua proteção. Deste ponto de vista – assumido pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão 410/2011, e em linha com a jurisprudência constante do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos –, sendo a ação de investigação de paternidade o meio processual preordenado à tutela do direito ao conhecimento do progenitor na ordem jurídica portuguesa, a previsão de prazos legais preclusivos para a respetiva propositura só implicaria uma restrição ilegítima de tal direito caso os mesmos fossem totalmente injustificados ou se, pela sua duração, criassem dificuldades excessivas ao exercício daquele. Ora, mesmo no exercício de um escrutínio constitucional mais apertado ( strict scrutiny ou controlo total) – justificado em razão da proibição de discriminação dos filhos nascidos fora do casamento estatuída no artigo 36 . º, n . º 4, da Constituição –, não é isso que se verifica relativamente ao regime legal que resultou das alterações introduzidas pela Lei n . º 14/2009, de 1 de abril. Os prazos em causa – e muito concretamente o previsto no n . º 1 do artigo 1817 . º do Código Civil – não impedem que o interessado, dispondo de um tempo de reflexão razoável, possa esclarecer as suas dúvidas quanto ao pretenso pai e, se for o caso, ver judi- cialmente reconhecida a sua ascendência biológica e estabelecido o vínculo jurídico de filiação, com todos os efeitos legais, entre si e aquele a quem é imputável o facto biológico da geração. Simultaneamente, os mesmos prazos acautelam que o esclarecimento e definição de um vínculo tão importante dos pontos de vista social e jurídico como a filiação não fique indefinidamente dependente da exclusiva vontade de um único interessado, em especial numa altura em que já não é possível a ação oficiosa de investigação de paternidade [cfr. o artigo 1866 . º, alínea b) , do Código Civil]; e salvaguardam, minimamente, os direitos à reserva da intimidade da vida privada e familiar de potenciais investigados e seus familiares. Em ambos os casos estão em causa interesses constitucionalmente relevantes, respetivamente, a definição do estatuto pessoal da pessoa em matéria de filiação e direitos fundamentais de terceiros. Tal como referido no Acórdão n . º 401/11, «o prazo de dez anos após a maioridade ou emancipação [– correspondente à solução legal prevista no n . º 1 do artigo 1817 . º do Código Civil, na redação dada pela Lei n . º 14/2009, de 1 de abril –] não funciona como um prazo cego, cujo decurso determine inexoravel- mente a perda do direito ao estabelecimento da paternidade, mas sim como um marco terminal de um período durante o qual não opera qualquer prazo de caducidade. Verdadeiramente, e apesar da formulação do preceito onde está inserido, ele não é um autêntico prazo de caducidade, demarcando antes um período de tempo onde não permite que operem os verdadeiros prazos de caducidade consagrados nos n. os 2 e 3 do mesmo artigo» (vide idem , ibidem ; no sentido de que o prazo em causa não é considerado «rígido», vide o § 65 da decisão proferida no Caso Silva e Mondim c. Portugal, cit. ). Com efeito, importa não confundir a preclusão da possibilidade de intentar uma ação tendente ao reconhecimento de certo direito, com base em determinada causa de pedir, com a extinção do próprio direito a reconhecer. Assim, na perspetiva ora considerada, a questão da eventual inconstitucionalidade do prazo de dez anos previsto no artigo 1817 . º, n . º 1, do Código Civil – mas, como resulta claro da presente decisão, o mesmo
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