TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
372 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por esta ordem, far-se-á também a sua análise, impondo-se, contudo, preliminarmente, uma precisão, não só de ordem semântica. Admitindo-se que o decurso de um prazo de caducidade possa inviabilizar, no limite, a constituição do vínculo jurídico de filiação entre duas pessoas que são, efetivamente, pai e filho (facto facilmente com- provável através de exames científicos), não é esta a única hipótese coberta pela regra da caducidade. Nela se inclui também a situação inversa, aquela em que a pessoa contra quem se pretende instaurar a ação de investigação da paternidade (o réu) não é o pai biológico do autor. Relembre-se que a ação de investigação de paternidade, que tem por causa de pedir o facto biológico da procriação, visa, desde logo, apurar se aquele a quem se imputa a qualidade de pai o é efetivamente. A constituição do vínculo jurídico da filiação depende da demonstração em juízo desse facto (constitutivo) essencial – se provado, a ação procede; se não, a ação naufraga. Na ponderação do legislador, ter-se-ão, pois, considerado, não apenas «os direitos do pai», mas também os direitos de quem pode não o ser, o que amplia, em correspondência, o âmbito dos interesses a ponderar na própria decisão da questão da inconstitucionalidade da solução legal de fixar limites temporais ao exercício do direito de ação de investigação da paternidade. Por isso, o confronto que, para efeitos de análise, se deve estabelecer, é entre os «direitos do investigante» – que é aquele que imputa ao réu a sua paternidade biológica e, com este fundamento, pede o reconheci- mento da constituição do correspondente vínculo jurídico de filiação – e os «direitos do investigado», que é aquele contra quem esse mesmo facto é imputado, com vista a obter tal reconhecimento jurídico. 2.4.2. Começando pela posição jurídico-constitucional do investigante, é ponto assente na jurisprudên- cia constitucional, como vimos, que o direito ao conhecimento da paternidade biológica, assim como o direito ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico, cabem no âmbito de proteção, quer do direito fun- damental à identidade pessoal (artigo 26 . º, n . º 1, da Constituição), quer do direito fundamental a constituir família (artigo 36 . º, n . º 1, da Constituição) – cfr., por todos, Acórdão n . º 401/11 (ponto 6). A identidade de cada pessoa é geneticamente determinada pelos seus progenitores e constrói-se, indi- vidualmente e em sociedade, tendo por referência central este vínculo biológico de origem, que é, na ver- dade, insubstituível. Por isso, nunca o Tribunal Constitucional pôs em causa a natureza jusfundamental do direito que assiste aos cidadãos de conhecer essa dimensão constituinte e individualizadora de si próprio, nem a importância desse direito fundamental «pessoalíssimo» no complexo quadro axiológico-normativo da Constituição. A própria lei evidencia sinais claros de compreensão da intensidade de tutela constitucional conferida ao direito ao conhecimento da paternidade biológica, sendo claramente dirigidos à sua efetivação determi- nados aspetos do regime geral da ação de investigação da paternidade, a que pertence a norma do n . º 1 do artigo 1817 . º, ora em fiscalização: a legitimidade exclusiva do filho para a intentar, reservando-se a este, ainda que representado pela mãe, quando menor, a decisão pessoalíssima que o exercício do direito potestativo em causa traduz [artigos 1869 . º e 1870 . º do CC; cfr., ainda, artigos 1864 . º e 1866 . º, alínea b) , do mesmo Código, que, com a mesma finalidade de tutela, conferem legitimidade ao Ministério Público para instaurar a ação de averiguação oficiosa da paternidade, no prazo de dois anos sobre a data do nascimento da criança]; a ausência de «pressupostos» ou «causas» de admissibilidade da investigação da paternidade, contrariamente ao que sucedia, como vimos, até à reforma de 1977 do CC (cfr. artigo 1860 . º na sua versão original, e atual artigo 1817 . º); o estabelecimento de um regime de prova da paternidade biológica baseado em presunções legais apenas ilidíveis se houver «sérias dúvidas» sobre a paternidade do investigado (artigo 1871 . º, n. os 1 e 2, do CC); enfim, a própria possibilidade de prossecução e transmissão da ação de investigação da paternidade pelos descendentes do filho, se este falecer na pendência da causa ou no prazo legalmente previsto para a sua instauração (artigo 1818 . º do CC, aplicável ex vi do artigo 1873 . º do mesmo Código), incluindo-se assim no âmbito de proteção legal, não apenas a identidade do filho, mas também a identidade daqueles que deste descendam em linha direta, sem limite de grau.
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