TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

371 acórdão n.º 394/19 adotadas nas ordens jurídicas dos diferentes Estados, se pronuncia sobre aquelas que consagram limitações temporais ao exercício do direito de investigação da paternidade com os princípios da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH). Para esse Tribunal, como sublinha o Acórdão n . º 401/11, «a existência de um prazo limite para a instauração duma ação de reconhecimento judicial da paternidade não é, por si só, violadora da Convenção, importando verificar se a natureza, duração e características desse prazo resultam num justo equilíbrio entre o interesse do investigante em ver esclarecido um aspecto importante da sua iden- tidade pessoal, o interesse do investigado e da sua família mais próxima em serem protegidos de demandas respeitantes a factos da sua vida íntima ocorridos há já muito tempo, e o interesse público da estabilidade das relações jurídicas». A generalidade das decisões que concluíram pela violação do artigo 8 . º da CEDH, que proíbe ingerên- cias arbitrárias dos Estados na esfera da vida privada e familiar dos cidadãos, foram ditadas pelo facto de as legislações nacionais aí apreciadas consagrarem prazos de ação judicial demasiado rígidos e inflexíveis, sem atender às circunstâncias do caso e à impossibilidade, prática ou jurídica, da sua observância. Considerou-se que, agindo desse modo, o Estado estava a violar a obrigação positiva, que também decorre daquele pre- ceito, de assegurar aos seus cidadãos meios efetivos de obtenção do reconhecimento jurídico da paternidade biológica, dimensão integrante da vida privada e familiar destes últimos (cfr., entre outros, caso Phinikaridou v. Chipre, 20 de dezembro de 2007, caso Backlund v. Finlândia , 6 de julho de 2010, caso Grönmark v. Fin- lândia , 6 de julho de 2010, caso Laakso v. Finlândia, 15 janeiro 2013, e caso Röman v. Finlândia , 29 janeiro de 2013). Em contraponto, não se julgou incompatível com o direito à vida privada e familiar dos autores o estabelecimento de prazos que, sem incorrer nos apontados vícios de automatismo ou rigidez, são justificados pela necessidade de defesa do interesse público na (atempada) definição das relações jurídicas familiares e do próprio direito à vida privada e familiar dos putativos pais. No entendimento do TEDH, expresso na sua decisão de 3 de outubro de 2017, no caso Silva e Mondim Correia v. Portugal , é precisamente o que sucede com o prazo de caducidade previsto na norma ora em apreciação do n . º 1 do artigo 1817 . º do Código Civil português. Aqui chegados, a questão que se coloca é a de saber se, estando em causa os direitos fundamentais à identidade pessoal, na dimensão do direito ao conhecimento da paternidade biológica, e à constituição de família, será de afastar a jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional, e a própria jurisprudência do TEDH, pois que em relação a estes «direitos pessoalíssimos» o legislador não poderia, desde logo, fixar limi­ tes temporais ao exercício do respetivo direito de ação, por se tratar de matéria já ponderada e decidida pelo poder constituinte em sentido contrário. A esta questão central dedicaremos os pontos seguintes. 2.4. Os direitos fundamentais à identidade pessoal e à constituição de família 2.4.1. Segundo o Acórdão n . º 488/18, decorre das normas constitucionais consagradas nos artigos 26 . º, n . º 1, e 36 . º, n . º 1, da Constituição, interpretadas à luz do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1 . º), que «as ações de investigação da paternidade devem poder ser instauradas a todo o tempo, sendo cons­ titucionalmente ilegítima qualquer limitação temporal para o exercício destes direitos». Na sua perspetiva, a Constituição – que extrai do princípio da dignidade da pessoa humana a base de sustentação de todo o seu quadro de valores e direitos – não pode aceitar que o direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento jurídico da paternidade biológica, essencial à dignidade do ser humano, se possa extinguir por efeito do decurso de um prazo de caducidade, seja ele qual for. Não há direito nem valor que o justifique, incluindo aqueles que a jurisprudência constitucional tem invocado para o efeito. Toda a argumentação constitucionalmente relevante parte, assim, de uma ideia fundamental: a da pre- valência, na valoração constitucional, dos «direitos do filho» – a saber quem é o seu pai e estabelecer com ele o correspondente vínculo jurídico de filiação – sobre os «direitos do pai» e demais interesses tutelados pelo estabelecimento de um prazo de caducidade.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=