TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

370 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL relação jurídico-material tem por sujeito passivo o pretenso pai; já no plano do direito processual de ação, a posição do sujeito passivo é ocupada pelo Estado, que está constitucionalmente obrigado a criar as condições necessárias à efetivação do direito do autor ao conhecimento e reconhecimento jurídico da sua paternidade. Embora invocando o caráter pluridimensional do problema jurídico-constitucional subjacente ao dever estadual de proteção dos direitos fundamentais, no domínio das relações dos cidadãos entre si, assente numa «relação tripolar cidadão-Estado-terceiro», outro não é, no essencial, o entendimento de Reis Novais sobre a matéria. Aqui, sustenta o mesmo autor, o Estado vê-se forçado a considerar «diferentes interesses de liberdade e, eventualmente, a arbitrar um conflito de liberdades». O dever de proteção que sobre aquele recai, nesse domínio, «[é] susceptível de concretização numa multiplicidade de intervenções, dependendo de uma avalia­ ção de ponderação e concordância prática e concreta entre valores e de juízos de prognose relativamente às medidas a tomar», para o que necessariamente lhe assiste, defende, uma margem de conformação maior do que aquela que detém quando prossegue o interesse público, atenta a forte resistência defensiva que o direito fundamental, neste diferente contexto dialético, oferece à realização daquele interesse ( ob. cit. pp. 92-93). Ora, a decisão sobre a questão de saber se um determinado direito de ação pode ser exercido a todo o tempo ou, pelo contrário, deve estar sujeito a prazos de caducidade, é uma decisão essencialmente política, no sentido em que pressupõe complexas ponderações valorativas sobre o impacto que tal medida pode ter, em cada momento, sobre a relação dos cidadãos entre si e o funcionamento da sociedade em geral – se a ausência de prazos de caducidade inegavelmente serve valores de justiça, compromete, por certo, o valor da estabilidade e segurança das situações jurídicas. Como é sabido, a resolução desta equação básica está presente na generalidade das decisões que o legislador deve tomar, mas assume presença constante na confor- mação normativa do direito de ação, que estruturalmente visa a conciliação desses dois valores fundamentais da ordem jurídica. E não se vê razão para afastar a legitimidade constitucional dessa ponderação política quando os direitos substantivos implicados na providência de tutela jurisdicional sob regulação assumem a natureza de direitos fundamentais. A única referência da Constituição a respeito da tutela jurisdicional no tempo de direitos fundamentais consta do n . º 5 do seu artigo 20 . º, que impõe ao legislador, em matéria de direitos, liberdades e garantias pessoais, a consagração de «procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade», de modo a conferir-lhes «tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos». Embora expressa a respeito de um tipo específico de instrumentos processuais de tutela, capaz de impe- dir a consumação da lesão do direito, matéria cautelar que não está aqui em causa, a mensagem vinculativa a reter é a de uma proteção jurisdicional concedida a tempo de assegurar a efetiva satisfação dos bens jurídicos pessoais que o direito fundamental visa proteger; não a todo o tempo e independentemente do impacto negativo que a tutela do direito pode ter sobre outros direitos ou valores constitucionalmente protegidos. Como sublinha o autor que vimos acompanhando, acerca da posição jurídico-constitucional dos cidadãos face ao dever estadual de proteção, «a única pretensão subjetiva geral (…) necessariamente existente é a de que a margem de conformação ou discricionariedade de que o Estado dispõe neste domínio seja cor- retamente exercida, no sentido de que as medidas tomadas pelos poderes públicos responsáveis pelo dever de proteção não sejam completamente inidóneas ou insuficientes». Procurou-se demonstrar que é precisamente com esse sentido e alcance que o Tribunal Constitucional vem exercendo os seus poderes de fiscalização em relação aos prazos de caducidade fixados pelo legislador para o exercício do direito de ação em geral e para o exercício do direito de ação de investigação da paterni- dade em particular. Em relação a uns e outros, oTribunal limitou-se a verificar se havia razões constitucionalmente atendíveis que justificavam o seu estabelecimento e se o prazo de caducidade concretamente estabelecido impedia ou tornava particularmente oneroso o exercício do direito a que se reportava a pretensão de tutela jurisdicional. E, como se reconhece na decisão recorrida, essa tem sido também a perspetiva de análise que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) tem essencialmente adotado quando, face às distintas soluções

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