TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

37 acórdão n.º 450/19 autonomia patrimonial e financeira (artigo 238.º, n. os  1 a 3), a autonomia fiscal (artigo 238.º, n.º 4, e artigo 254.º), a autonomia referendária (artigo 240.º, n.º 1), a autonomia regulamentar (artigo 241.º) e a autonomia em matéria de pessoal (artigo 243.º). Como António Cândido de Oliveira refere, existe um «conjunto de poderes constitu- cionalmente garantidos», tais como «o poder de dispor de órgãos próprios eleitos democraticamente; o poder de dispor de património e finanças próprias; o poder de dispor de um quadro de pessoal próprio; o poder regulamen- tar próprio; o de exercer sob responsabilidade própria um conjunto de tarefas adequadas à satisfação dos interesses próprios das populações respetivas», que «garante à administração local uma situação de não submissão em relação à administração do Estado», e constitui «aquilo a que poderíamos chamar a vertente de defesa da autonomia local» ( Direito das Autarquias Locais , Coimbra Editora, 2013, pp. 92- 93). O condicionamento ou compressão da autonomia local (nomeadamente dos seus elementos) pode apenas decorrer da lei, quando um interesse público nacional ou supralocal o justificar, e sempre com a ressalva do seu núcleo incomprimível. Efetivamente, «a autonomia municipal não pode afetar a integridade da soberania do Estado. De facto, os poderes locais também são, por natureza, limitados, pois não podem ser exercidos para além do âmbito de interesses (necessariamente locais) que os justificam, não podendo invadir espaços de deliberação ou atuação que devem permanecer reservados à esfera da comunidade nacional» (cfr. M. Lúcia Amaral, A Forma da República, Coimbra Editora, 2012, p. 385).» 20. A segunda dimensão – talvez aquela a que mais diretamente responde a reserva relativa de com- petência estabelecida na alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição – prende-se com a relação das autarquias locais entre si e de cada uma delas com a região autónoma correspondente, no caso de aí se encontrar sediada. Ao colocar sob reserva relativa de competência da Assembleia da República a definição do “ estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais ” e, sobretudo, ao excluir a possibilidade de nele interferirem, ainda que mediante autorização daquela, as Assembleias Legislativas Regionais, a Constitu- ição assegura que as autarquias locais de todo o território nacional se encontrarão sujeitas a um só e mesmo regime, quer quanto à «sua organização», «atribuições» e «competências dos seus órgãos», quer ainda quanto à «estrutura dos seus serviços», ao « regime dos seus funcionários » e ao « regime das finanças locais » (J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , Vol. II, 4.ª edição, 2010, Anotação ao artigo 165.º, p. 332, itálico aditado). Efetivando o princípio da unidade do Estado no âmbito da concretização da autonomia do poder local, o estatuto único das autarquias locais imposto pela Constituição assegura assim uma base identitária comum aos entes democráticos locais, dentro da qual caberá a cada um deles proceder, em condições de tendencial igualdade, à prossecução dos interesses próprios das populações respetivas. A exclusão da possibilidade de as Assembleias Legislativas Regionais concorrerem na conformação do estatuto das autarquias locais da respetiva região, incluindo o regime dos seus funcionários, não é, além do mais, suscetível de afetar a autonomia regional, tal como a perspetiva o artigo 225.º da Constituição: nem quanto aos seus fundamentos, que assentam nas características geográficas, económicas, sociais e culturais dos arquipélagos dos Açores e da Madeira e nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares; nem quanto os seus fins, que consistem na participação democrática dos cidadãos, no desenvolvimento económico‑social, na promoção e defesa dos interesses regionais, mas também no reforço da unidade nacio- nal e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses. O que tal exclusão, na verdade, evidencia é que, do ponto de vista jurídico-constitucional, autonomia regional e autonomia local são conceitos autónomos, não aglutinadores ou sequer sobreponíveis; correspondem-lhes, na verdade, realidades normativa e organicamente diferenciadas, que se relacionam entre si como dois círculos justapostos e contíguos, com as linhas de interceção e de interpenetração que decorrem do exercício pelos órgãos de governo próprios de cada região dos poderes não reservados aos órgãos de soberania.

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