TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

366 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL mas tão-só uma condição ‘temporal’ dessa admissibilidade (…), a qual de modo algum fecha ab initio  a possibilidade da investigação e o correspondente reconhecimento do direito, e simplesmente contende, por consequência, com o ‘exercício’ deste último, obrigando a que o mesmo tenha lugar em certo tempo». Adotando uma perspetiva substancial das coisas, defende o mesmo acórdão que, apesar da diferença acima destacada, tanto as normas restritivas do conteúdo dos direitos fundamentais como as normas condi- cionadoras do respetivo exercício, devem estar sujeitas ao mesmo padrão de controlo «material» ou «subs­ tantivo» de proporcionalidade imposto pelo artigo 18 . º da Constituição. Aplicando-o ao caso, o Tribunal concluiu pela sua observância, considerando que o equilíbrio gizado pelas normas fiscalizadas entre o direito do filho e o conjunto de interesses assegurados pelos prazos de caducidade aí estabelecidos não era despropor- cionado, «quer considerado o estabelecimento, em si, de prazos de caducidade, quer considerada a duração de tais prazos» (itálico acrescentado). Interessa destacar nessa jurisprudência a defesa, ainda que implícita, do entendimento de que o direito de acesso aos tribunais não exclui o estabelecimento de prazos de caducidade, mesmo quando os direitos substan- tivos que se pretendam ver judicialmente garantidos assumam a natureza de direitos fundamentais, como se reconheceu ser o caso. Ponto é que, desde logo, se perfilem, face a eles, outros direitos e interesses igualmente merecedores de tutela constitucional, e que a proteção dada a estes últimos, por via dos prazos de caducidade, seja adequada e proporcional, como imposto no n . º 2 do artigo 18 . º da Constituição, julgado aplicável. 2.2.2. A conclusão de que as diferentes normas do artigo 1817 . º do CC observaram o padrão nor- mativo consagrado nesse preceito constitucional, a que chegou o Acórdão n . º 99/88, e as decisões que reiteraram essa jurisprudência, foi infirmada pelos Acórdãos n. os 456/03, 486/04 e 11/05, tendo o primeiro julgado inconstitucional a norma do n . º 2 do artigo 1817 . º do CC e os dois últimos a norma do n . º 1 do mesmo preceito legal. No seguimento desta jurisprudência, o Tribunal Constitucional, através do Acórdão n . º 23/06, veio declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade deste último preceito legal, na redação do Decreto-Lei n . º 496/77, aplicável por força do artigo 1873 . º do mesmo Código, na medida em que prevê para a caducidade do direito de investigar a paternidade um prazo de dois anos contado a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26 . º, n . º 1, 36 . º, n . º 1, e 18 . º, n . º 2, da Constituição. Apesar desta importante viragem, a verdade é que não foram controvertidos ou, sequer, questionados os pressupostos jurídicos de que o Tribunal Constitucional partiu, naquele primeiro conjunto de decisões, no que respeita à liberdade aí reconhecida ao legislador de regular no tempo o exercício do direito de ação de investigação da paternidade, dirigindo-se o controlo apenas à forma como essa liberdade foi exercida, em relação a determinados aspetos de regime, particularmente sensíveis, como a duração do prazo e o seu termo inicial. Mesmo então, o certo é que não se deixou de afirmar que «o regime de imprescritibilidade [não é] a única alternativa pensável ao regime [aí consagrado]» (Acórdão n . º 486/04), o que traz implícito o reconhe- cimento de que o legislador tem possibilidade de escolha na regulamentação temporal do exercício do direito de ação, mesmo quando estão em causa ações que visam especificamente tutelar os direitos fundamentais do autor ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico. 2.2.3. Em 2009, o legislador usou da margem de liberdade que lhe foi reconhecida – ou, pelo menos, não negada – pela jurisprudência constitucional, quando, na sequência da declaração de inconstituciona- lidade, com força obrigatória geral, do n . º 1 do artigo 1817 . º do CC, alterou o regime aplicável às ações de investigação da paternidade, através da Lei n . º 14/2009, ampliando o prazo de caducidade de dois para dez anos e eliminando o esquema «cego» de contagem até então vigente, que desconsiderava a possibilidade efetiva da sua instauração, traços que, na leitura do Tribunal Constitucional, desprotegiam intoleravelmente o direito fundamental do autor (investigante) ao conhecimento e reconhecimento jurídico da paternidade biológica.

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