TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

365 acórdão n.º 394/19 da paternidade, reconheceu que, através destas ações judiciais, se exerce um verdadeiro direito fundamen- tal – o direito ao conhecimento e ao reconhecimento da paternidade biológica –, que se pode extrair «seja do direito à integridade pessoal, e em particular à integridade ‘moral’ (artigo 25 . º, n . º 1), seja do direito à ‘identidade pessoal’» (Acórdão n . º 99/88). E explicou porquê: «De facto, a ‘paternidade’ representa uma ‘referência’ essencial da pessoa (de cada pessoa), enquanto suporte extrínseco da sua mesma ‘individualidade’ (quer ao nível biológico, e aí absolutamente infungível, quer ao nível social) e elemento ou condição determinante da própria capacidade de auto-identificação de cada um como ‘indi- viduo’ (da própria ‘consciência’ que cada um tem de si); e, sendo assim, não se vê como possa deixar de pensar-se o direito a conhecer e ver reconhecido o pai (…) como uma das dimensões dos direitos constitucionais referidos, em especial do direito à identidade pessoal, ou uma das faculdades que nele vai implicada». Nesse aresto discutia-se a inconstitucionalidade das normas dos n. os 3 e 4 do artigo 1817 . º do CC, na versão introduzida pelo Decreto-Lei n . º 496/77, de 25 de Novembro, que fixavam em seis meses e um ano, respetivamente, o prazo de caducidade para o exercício do direito de ação de investigação da paternidade, em caso de existência de escrito no qual o pretenso pai declarasse inequivocamente a paternidade (n . º 3) e de tratamento do investigante como filho pelo pretenso pai (n . º 4). O reconhecimento da natureza jusfundamental dos direitos que o autor, nas ações de investigação da paternidade, pretende ver tutelado, foi sucessivamente reiterado, com tal enquadramento constitucional, nos Acórdãos n. os 413/89, 451/89, 311/95 e 506/99, a respeito da norma do n . º 1 do artigo 1817 . º do CC, que, nessa mesma redação, fixava em dois anos o prazo de caducidade para o exercício do direito de ação, fazendo coincidir o seu termo inicial, tal como ainda hoje sucede, com a data em que o investigante atinge a maioridade ou emancipação. O juízo de não inconstitucionalidade que foi formulado em todos estes acórdãos não decorreu, pois, de uma qualquer desconsideração ou minimização valorativa, no plano constitucional, dos direitos do investi- gante, em relação aos direitos do investigado e ao interesse público da segurança jurídica. O que sucedeu nessa fase inicial da jurisprudência constitucional e marcou toda a jurisprudência ulterior do Tribunal Constitucional sobre o tema é que se atendeu ao facto de estar em causa o exercício do direito de ação, o que, sem importar desvios substanciais na parametrização constitucional da norma sindicada, permitiu considerar, na avaliação do problema da constitucionalidade dos prazos de caducidade do direito de ação de investigação da paternidade, elementos de ponderação que essencialmente relevam da própria configuração jurídico-constitucional do direito de ação em geral (artigo 20 . º da Constituição). Nessa linha de abordagem, o citado Acórdão n . º 99/88, invocando uma classificação estabelecida na doutrina, começou por distinguir, no seio das normas legais respeitantes a direitos fundamentais, as «normas restritivas» de direitos e as normas «condicionadoras» do respetivo exercício, sustentando que, enquanto as primeiras «encurtam ou estreitam o (…) conteúdo e alcance [do direito fundamental], as segundas «não visam aquele objetivo da redução das faculdades ou potencialidades integradoras do direito em causa», limi- tando-se, antes, a «definir pressupostos ou condições do seu exercício», muitas vezes essenciais à própria efetivação do direito, como era o caso do direito ao reconhecimento jurídico da paternidade biológica. Na primeira categoria seria possível incluir a norma constante da versão originária do artigo 1860 . º do CC, em que se previam diversas «causas de admissibilidade» da ação de investigação da paternidade «ilegí- tima»: «na ausência de uma daquelas “causas”, na verdade, ficava  a priori  precludida a faculdade de investi- gar a paternidade; podia, por isso, afirmar-se que se estava perante uma “restrição” a essa faculdade, isto é, perante um encurtamento ou estreitamento do próprio “conteúdo” do direito constitucional ao reconheci- mento da paternidade», o que determinou a sua abolição na revisão do código, em 1977. Na segunda categoria, as normas que estabelecem prazos de caducidade para o exercício do direito de ação de investigação da paternidade, como as do artigo 1817 . º do CC, aí sindicadas, pois que nelas se «não [consignam] quaisquer condições ‘materiais’ e ‘permanentes’ da admissibilidade da ação de investigação (…),

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