TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
364 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL dos prazos de caducidade para o filho investigar [os] vínculos de filiação» a mesma ideia de prevalência dos direitos fundamentais assegurados pela ação de investigação da paternidade sobre os direitos e interesses tutelados com a consagração do respetivo prazo de caducidade. Em recente artigo doutrinário, citado na decisão recorrida, Joaquim de Sousa Ribeiro, com a autoridade decorrente do facto de ter participado diretamente, na qualidade de juiz conselheiro deste Tribunal, na dis- cussão que deu origem ao Acórdão n . º 401/11, sublinha, em constância argumentativa, «a natureza e o grau de merecimento de tutela dos direitos do investigante, quando confrontados com os interesses contrários do investigado», o desnível existente entre o que encontramos do «lado do filho» e do «lado do investigado»: ali, «radicais subjetivos, bens constitutivos da zona mais nuclear do substrato da (…) personalidade própria [do filho]», constitucionalmente protegidos pelos «direitos (…) à plena identidade pessoal, a constituir família e ao desenvolvimento da personalidade (…), que exprimem imperativos axiológicos imediatamente decor- rentes da dignidade da pessoa humana»; aqui, «os direitos à reserva da intimidade privada e ao desenvolvi- mento da personalidade», traduzindo-se o primeiro no «direito a não ver o seu comportamento passado, na esfera íntima do relacionamento sexual, revelado e exposto, com efeitos perturbadores para a sua vida atual, sobretudo em caso de constituição de um vínculo matrimonial e familiar», e o segundo no «direito em não se vincular, com eficácia jurídica, a uma paternidade biologicamente comprovável». E assertivamente resolve a «operação de balanceamento» assim equacionada em favor dos direitos do investigante, posto que «o inves- tigado não é titular de direitos pessoais que, na sua expressão concreta, possam ser vistos como a contraface simetricamente homóloga, no mesmo plano valorativo, dos direitos do filho, em termos de justificarem a amputação que estes sofrem com a caducidade» ( Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 147 . º, n . º 4009, março-abril, 2018). Por isso – e este é também o ponto fundamental da argumentação do Acórdão recorrido – entende-se que o legislador não incorre em violação da «proibição de ingerência excessiva» na esfera jurídico-constitucio- nal do investigado quando não estabelece prazos de caducidade; ao contrário, se o fizer, já viola a «proibição de insuficiência de tutela» dos direitos do filho, condenando este último, «contra vontade, a ter a sua iden- tidade pessoal amputada de um elemento constitutivo e a ter definitivamente prejudicada a plena dignidade da sua auto-representação social». Numa frase, o que o filho perde, em identidade e liberdade de ser, com o estabelecimento de prazos de caducidade, é desproporcionalmente mais valioso do que aquilo que o pretenso pai ganha em segurança e privacidade com tal compressão temporal, não havendo razão jurídico-constitucional válida que justifique tamanha perda e imponha tão diminuto ganho, mesmo considerando o interesse público da certeza e segu- rança jurídica que os prazos de caducidade visam em geral proteger. Será assim? 2.2. O problema da constitucionalidade dos prazos de caducidade para o exercício do direito de ação de investigação da paternidade 2.2.1. Como se afirma na decisão recorrida, ninguém levanta dúvidas sobre a proteção constitucional- mente reconhecida à pretensão material que está subjacente à instauração de uma ação de investigação da paternidade. Por via desta ação – e só desta ação – o investigante fica a saber se a pessoa a quem atribui a sua paternidade é, efetivamente, seu pai biológico, e, sendo-o, vê constituído, com efeitos retroativos (artigo 1797 . º, n . º 2, do CC), o vínculo jurídico da filiação relativamente a este último, passando, em consequência disso, a ser titular e sujeito passivo, respetivamente, do complexo de direitos e obrigações, de natureza pes- soal e patrimonial, que integram o conteúdo dessa relação jurídica bilateral – relação jurídica que encontra a sua matriz normativa no princípio segundo o qual «pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência» (artigo 1874 . º, n . º 1, do CC). O Tribunal Constitucional, desde o primeiro momento em que foi chamado a apreciar o problema da conformidade constitucional de normas que estabelecem prazos de caducidade para as ações de investigações
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