TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

363 acórdão n.º 394/19 redação da Lei n . º 14/2009, de 1 de abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paterni- dade, por força do artigo 1873 . º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante» (no mesmo sentido, em aplicação desta jurispru- dência, os Acórdãos n. os 445/11, 446/11, 476/11, 545/11, 77/12, 106/12, 231/12, 247/12, 515/12, 166/13, 750/13, 373/14, 383/14, 529/14, 547/14, 704/14, 302/15, 594/15, 626/15, 424/16, 151/17 e 813/17). Verifica-se, pois, oposição de julgados, quanto à mesma norma, justificando-se, por isso, o conheci- mento do recurso. 2. Mérito do recurso 2.1. A tese do Acórdão recorrido No entendimento do Acórdão n . º 488/18, é «necessário ‘um novo olhar’ sobre a constitucionalidade da existência de um prazo de caducidade para as ações de investigação da paternidade, em face do crescente valor dos bens jurídicos pessoalíssimos sacrificados pela caducidade, e cuja necessidade de compressão cada vez menos se reconhece, quer na ordem jurídico-constitucional, quer na consciência coletiva», militando no mesmo sentido «a preocupação crescente com a verdade e a transparência nas relações familiares e nas rela- ções entre o Estado e os cidadãos». De acordo com o mesmo aresto, nem o legislador, nem o próprio Tribunal Constitucional se têm reve- lado indiferentes à intensificação desses sinais de mudança, como se confirma pelo disposto nos artigos 6 . º, n . º 1, da Lei n . º 143/2015, de 8 de setembro, e 1990 . º-A do CC, que, inovatoriamente, reconhecem às pessoas adotadas, com idade superior a 16 anos, o direito de solicitarem ao organismo da segurança social a identidade dos seus pais biológicos, e pelo Acórdão n . º 225/18, que, no âmbito da apreciação da constitucio- nalidade da Lei da Procriação Medicamente Assistida declarou a inconstitucionalidade do princípio-regra do anonimato dos dadores de gâmetas, alterando, assim, a sua jurisprudência anterior no que respeita ao direito da pessoa concebida por procriação medicamente assistida conhecer as suas origens biológicas. Nesse contexto, sustenta-se, há que proceder a «novas ponderações valorativas» acerca da proporcionali- dade da restrição dos direitos fundamentais sacrificados pela norma do n . º 1 do artigo 1817 . º do CC. Em cumprimento desse propósito, a decisão recorrida reavalia, no atual contexto científico, cultural e económico-social – que, defende, não pode deixar de ter influência na apreciação jurídico-constitucional das normas legais vigentes –, o peso relativo dos direitos e interesses contrapostos que são sacrificados e protegi- dos pelos prazos de caducidade. Por razões adiante melhor analisadas, a decisão conclui que o exercício do direito à identidade pessoal, na dimensão do direito ao conhecimento da paternidade biológica, e do direito a constituir família, consa- grados, respetivamente, nos artigos 26 . º, n . º 1, e 36 . º, n . º 1, da Constituição, são insuscetíveis de qualquer compressão temporal, revelando-se sempre desproporcional, à luz do disposto no artigo 18 . º da mesma Lei Fundamental, o estabelecimento, nesse domínio, de prazos de caducidade, cujo decurso tem o grave efeito jurídico de extinguir esses mesmos direitos fundamentais. A linha de argumentação desenvolvida em apoio dessa solução, dita de «imprescritibilidade» do direito de ação, assenta fundamentalmente na ideia de um maior merecimento jurídico-constitucional dos «direi- tos dos filhos» relativamente aos «direitos dos investigados»: «[a] natureza pessoalíssima dos direitos dos filhos, que decorrem da intimidade mais profunda do ser humano e da sua necessidade afetiva e social mais definidora da sua humanidade e personalidade faz com que, na operação de balanceamento entre posições contrapostas, os direitos dos filhos sejam, na hierarquia axiológica da Constituição, em que a dignidade da pessoa humana ocupa o topo (artigo 1 . º da Constituição), de superior valia em relação aos direitos dos inves- tigados», lê-se no Acórdão ora em reapreciação. E essa é também, no essencial, a perspetiva com que a doutrina invocada na decisão recorrida encara o problema, decorrendo de uma leitura transversal das posições que convergem na defesa da «abolição absoluta

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=