TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
361 acórdão n.º 394/19 Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional: I – Relatório A., nascida em 1 de dezembro de 1968, propôs no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, em 6 de maio de 2016, uma ação de investigação de paternidade contra B., pedindo que se declare que é filha do réu e se ordene o averbamento deste facto no seu registo de nascimento, omisso quanto à paternidade. Alegou, para tanto, no essencial, que a sua mãe trabalhou como criada de servir na casa da mãe do réu, nos anos de 1967 e 1968, tendo mantido com este, que aí residia, relações sexuais, com total exclusividade, nos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o seu nascimento. Reconhecendo que, à data da instauração da ação, já havia decorrido o prazo previsto no n . º 1 do artigo 1817 . º do Código Civil (doravante citado como “CC”), aplicável ex vi do artigo 1873 . º do mesmo Código, a autora suscitou a questão da inconstitucionalidade daquela primeira norma, na parte em que precisamente prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação de investigação da paternidade, contado da maio- ridade ou emancipação do investigante. A seu ver, o estabelecimento desse prazo, ou de qualquer outro, constitui «uma restrição desproporcionada ao direito à identidade pessoal, ao direito à integridade moral e ao direito de constituir família», ocorrendo, por isso, violação das normas dos artigos 18 . º, n . º 2, 26 . º e 36 . º, n . º 1, da Constituição (CRP). O réu, citado para o efeito, não contestou. Por decisão de 26 de setembro de 2016, logo proferida no despacho saneador, o Tribunal não julgou inconstitucional a norma do n . º 1 do artigo 1817 . º do CC, na parte sindicada, invocando para o efeito, designadamente, a jurisprudência do Acórdão n . º 401/11 do Tribunal Constitucional, que assim decidiu. Em consequência, conheceu oficiosamente da exceção perentória de caducidade do direito de ação (artigo 333 . º, n . º 1, do CC), que julgou verificada em 1 de dezembro de 1996, e absolveu o réu do pedido. A autora, inconformada, recorreu da sentença para o Tribunal da Relação de Guimarães, invocando de novo a inconstitucionalidade do n . º 1 do artigo 1817 . º do CC. O réu, então recorrido, contra-alegou em sentido contrário, mas o tribunal de recurso, por acórdão de 2 de fevereiro de 2017, deu razão à recorrente, julgando inconstitucional a referida norma legal, quando aplicada, como era o caso, às ações de investigação da paternidade. Entendeu o Tribunal da Relação, na síntese aí elaborada pelo relator, que «[o] estabeleci- mento do prazo de 10 anos para instaurar a ação de investigação da paternidade viola a exigência de propor- cionalidade consagrada no artigo 18 . º, n . º 2, da Constituição, e constitui, no estado atual do conhecimento científico, restrição injustificada do direito ao conhecimento das origens genéticas», com consagração nos artigos 26 . º, n . º 1, e 36 . º, n . º 1, da mesma Lei Fundamental. Em consequência, revogou a decisão absolu- tória da 1 . ª instância, julgou improcedente a exceção de caducidade e ordenou o prosseguimento dos autos. O Ministério Público recorreu desse acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70 . º, n . º 1, alínea a) , da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante citada como “LTC”), tendo a 2 . ª secção deste Tribunal, a quem os autos foram distribuídos, decidido, por maioria, no Acórdão n . º 488/18, julgar inconstitucional «a norma do artigo 1817 . º, n . º 1, do Código Civil, especialmente pessoal do direito fundamental a tutelar, e afigura-se que está, considerando a função essen- cialmente corretiva que os n. os 2 e 3 do artigo 1817 . º do Código Civil exercem na economia global do preceito.
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