TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
36 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o artigo 235.º da Constituição «tem um sentido de garantia institucional, assegurando a existência de admin- istração local autárquica autónoma» em todo o território nacional (Acórdão n.º 296/13). O recorte desta garantia institucional e a definição do seu exato âmbito têm subjacente a ideia de que as autarquias locais têm por objetivo, «a prossecução de interesses próprios das populações respetivas (artigo 235.º, n.º 2)»; e que, tal como decorre do artigo 3.º, n.º 1, da Carta Europeia da Autonomia Local, tal obje- tivo «pressupõe e exige, entre outros, o direito e a capacidade de as autarquias regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob a sua responsabilidade e no interesse das respetivas populações, uma parte importante dos assuntos públicos» (Acórdão n.º 296/13). 19. Nesta sua vertente garantística, o princípio constitucional da autonomia local desempenha uma dupla função. A primeira diz respeito à relação entre a administração central do Estado, direta ou indireta, e as autarquias locais. Conforme se escreveu no Acórdão n.º 494/15: «10. […] De facto, como o Tribunal Constitucional já afirmou, «como as autarquias locais integram a administração autónoma, existe entre elas e o Estado uma pura relação de supraordenação-infraordenação, dirigida à coordenação de interesses distintos (os interesses nacionais, por um lado, e os interesses locais, por outro), e não uma relação de supremacia-subordinação que fosse dirigida à realização de um único e mesmo interesse – o interesse nacional, que, assim, se sobrepusesse aos interesses locais» (Acórdão n.º 379/96, n.º 5.3.). Como nota André Folque, quando «a autonomia municipal postula interesses próprios e quando se fala na concorrência da dimensão nacional com a dimensão local, isso não corresponde a uma sobreposição de atribuições. De outro modo, seria preterida a esfera de interesses próprios (art. 235.º, n.º 2)» ( A tutela administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios , Coimbra Editora, 2004, pp. 130-131). Sendo certo que «as atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos, serão reguladas por lei» (artigo 237.º, n.º 1, da Constituição), é nesse contexto que o legislador deve balancear a prossecução de interesses locais e do interesse nacional ou supralocal, gozando de uma vasta margem de autonomia. No entanto, ao desempenhar essa tarefa, «o legislador não pode pôr em causa o núcleo essencial da autonomia local; tem antes que orientar-se pelo princípio da descentralização administrativa e reconhecer às autarquias locais um conjunto de atribuições próprias (e aos seus órgãos um conjunto de competências) que lhes permitam satisfa- zer os interesses próprios (privativos) das respetivas comunidades locais» (Acórdão n.º 379/96, n.º 5.2., e Acórdão n.º 329/99, n.º 5.4.). Assim, na síntese efetuada por Artur Maurício sobre a jurisprudência relativa à garantia da autonomia local: «a autonomia do poder local vem sendo essencialmente concebida como uma garantia organizativa e de competên- cias, reconhecendo-se as autarquias locais como uma estrutura do poder político democrático e com um círculo de interesses próprios que elas devem gerir sob a sua própria responsabilidade» só podendo a «restrição legal desses interesses (…) ser feita com o fim da prossecução de um interesse geral, que ao legislador compete definir, não podendo, de todo o modo, ser atingido o núcleo essencial da garantia da administração autónoma». «Nos âmbitos que considera abertos à concorrência do Estado e das autarquias vem ainda o Tribunal entendendo (…) que são constitucionalmente legítimas compressões da autonomia local, não deixando, contudo, de fazer passar as medidas legislativas ou regulamentares em causa pelo crivo da adequação e da proporcionalidade» ( ob . cit ., pp. 656-657). 11. A autonomia das autarquias locais, intrinsecamente relacionada com a gestão democrática da República, tal como constitucionalmente desenhada, pressupõe um conjunto de poderes autárquicos que asseguram uma sua atuação relativamente livre e incondicionada face à administração central no desempenho das suas atribuições, visando a prossecução do interesse da população local. Com o objetivo de assegurar essa liberdade de atuação, a Constituição consagra diversas dimensões ou elementos constitutivos da autonomia local. Aí se inscreve, nomea- damente, a autonomia de organização (artigo 237.º, n.º 1), a autonomia orçamental (artigo 237.º, n.º 2), a
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=