TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
359 acórdão n.º 394/19 XVI - Na conceção constitucional – e na perceção intuitiva de todos nós –, a infância e a juventude são eta- pas fundamentais na estruturação e desenvolvimento da personalidade do indivíduo, que merecem, por isso, especial proteção da família e do Estado, sendo também nesta fase da vida que o direito fundamental ao conhecimento da paternidade biológica assume, no sistema constitucional, especial força vinculativa; o tratamento que a Lei Fundamental dá ao vínculo jurídico da filiação, uma vez constituído, mostra que a preocupação fundamental do poder constituinte subjacente à consagração dessa obrigação do Estado se projeta, mais uma vez, nas etapas iniciais do desenvolvimento da pessoa humana; a haver alguma obrigação constitucional sobre o exercício no tempo do direito de ação de investigação da paternidade, que é precisamente um meio de constituição de vínculos jurídicos fami- liares, ela vai no sentido de impor ao Estado o dever de assegurar a possibilidade da sua instauração nas fases da vida que mais reclamam a definição da relação jurídica de filiação. XVII - Contrariamente ao que se sustenta na decisão recorrida, não decorre das normas constantes dos arti- gos 26 . º, n . º 1, e 36 . º, n . º 1, da Constituição, que «as ações de investigação da paternidade devem poder ser instauradas a todo o tempo», mas apenas que o devem ser a tempo de garantir a tutela efetiva dos bens jurídicos pessoais (saúde, segurança, educação) que os direitos fundamentais ao conhecimento e reconhecimento jurídico da paternidade biológica visam fundamentalmente prote- ger; a Constituição estabelece nesta matéria, um limite mínimo de proteção jurisdicional que tem- poralmente coincide com as primeiras fases de vida do titular do direito, a da infância e juventude, não havendo sinais normativos que possam ser interpretados como denotando uma intencionalidade vinculativa de extensão ou maximização dessa proteção para toda a vida. XVIII - É a preocupação fundamental de oportuna definição de situações jurídicas pendentes de clarificação que justifica o estabelecimento do prazo de caducidade previsto no n . º 1 do artigo 1817 . º do Código Civil e do regime especialmente «enérgico» a que este mesmo prazo está sujeito; a possibilidade de instauração a todo o tempo da ação de investigação da paternidade, inclusive após o falecimento do pretenso pai, afasta o meio judicial de tutela do seu objetivo principal, que é o de assegurar a constituição de laços familiares que efetivamente cumpram a sua função de proteção e apoio, apoio que, sendo também de ordem patrimonial, é, sobretudo, de ordem educacional e afetiva; a norma do n . º 1 do artigo 1817 . º do Código Civil, estimulando o exercício do direito de ação no prazo de caducidade aí estabelecido, viabiliza a constituição da relação jurídica de filiação a tempo de assegu- rar ao filho, que então terá no máximo 28 anos de idade, a efetiva satisfação dos bens jurídicos pes- soais tutelados pelos direitos que para si dela emergem, reconduzindo o direito de ação à sua função primária, que é a de garantir, por meio dos tribunais, isso mesmo. XIX - As ações de investigação da paternidade, atentos os efeitos jurídicos constitutivos da sua procedência, não afetam apenas a identidade do investigante – que, para todos os efeitos jurídicos, passa a ser filho do investigado –, mas também a identidade deste último, que, com essa mesma amplitude jurídica, passa a ser pai do investigante, tendo uma forte repercussão na vida pessoal, familiar, social e patri- monial do investigado; também o pai biológico foi construindo ao longo do tempo a sua identidade, pelas múltiplas vinculações, designadamente familiares, que estabeleceu, e donde extraiu, não apenas elementos fundamentais de autodefinição pessoal e social, mas também uma base de sustentação, pessoal e patrimonial, que é a sua e da família com quem estabeleceu uma relação efetiva – bens que, nesse específico contexto situacional e temporal, não podem deixar de beneficiar também da prote- ção dos artigos 26 . º, n . º 1, 36 . º e 67 . º, n . º 1, da Lei Fundamental.
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