TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
357 acórdão n.º 394/19 VII - A questão que se coloca é a de saber se, estando em causa os direitos fundamentais à identidade pes- soal, na dimensão do direito ao conhecimento da paternidade biológica, e à constituição de família, será de afastar a jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional, e a própria jurisprudência do TEDH, pois que em relação a estes «direitos pessoalíssimos» o legislador não poderia, desde logo, fixar limites temporais ao exercício do respetivo direito de ação, por se tratar de matéria já ponderada e decidida pelo poder constituinte em sentido contrário. VIII - Na ponderação do legislador, ter-se-ão considerado, não apenas «os direitos do pai», mas também os direitos de quem pode não o ser, o que amplia, em correspondência, o âmbito dos interesses a ponde- rar na própria decisão da questão da inconstitucionalidade da solução legal de fixar limites temporais ao exercício do direito de ação de investigação da paternidade; o confronto que, para efeitos de análise, se deve estabelecer, é entre os «direitos do investigante» – que é aquele que imputa ao réu a sua pater- nidade biológica e, com este fundamento, pede o reconhecimento da constituição do correspondente vínculo jurídico de filiação – e os «direitos do investigado», que é aquele contra quem esse mesmo facto é imputado, com vista a obter tal reconhecimento jurídico. IX - É ponto assente na jurisprudência constitucional que pelo menos até ao esgotamento de todos os prazos de caducidade previstos no artigo 1817 . º do Código Civil a opção do legislador foi a de con- ceder ao direito ao conhecimento da identidade da paternidade biológica uma proteção jurisdicional praticamente absoluta; do ponto de vista assumido pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão n . º 401/11, e em linha com a jurisprudência constante do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, sendo a ação de investigação de paternidade o meio processual preordenado à tutela do direito ao conhecimento do progenitor na ordem jurídica portuguesa, a previsão de prazos legais preclusivos para a respetiva propositura só implicaria uma restrição ilegítima de tal direito caso os mesmos fossem totalmente injustificados ou se, pela sua duração, criassem dificuldades excessivas ao exercício daquele. X - Mesmo no exercício de um escrutínio constitucional mais apertado ( strict scrutiny ou controlo total), não é isso que se verifica relativamente ao regime legal que resultou das alterações introduzidas pela Lei n . º 14/2009, de 1 de abril; os prazos em causa – e muito concretamente o previsto no n . º 1 do artigo 1817 . º do Código Civil – não impedem que o interessado, dispondo de um tempo de reflexão razoável, possa esclarecer as suas dúvidas quanto ao pretenso pai e, se for o caso, ver judicialmente reconhecida a sua ascendência biológica e estabelecido o vínculo jurídico de filiação, com todos os efeitos legais, entre si e aquele a quem é imputável o facto biológico da geração; simultaneamente, os mesmos prazos acautelam que o esclarecimento e definição de um vínculo tão importante dos pontos de vista social e jurídico como a filiação não fique indefinidamente dependente da exclusiva vontade de um único interessado, em especial numa altura em que já não é possível a ação oficiosa de investiga- ção de paternidade; e salvaguardam, minimamente, os direitos à reserva da intimidade da vida privada e familiar de potenciais investigados e seus familiares; em ambos os casos estão em causa interesses constitucionalmente relevantes, respetivamente, a definição do estatuto pessoal da pessoa em matéria de filiação e direitos fundamentais de terceiros. XI - Importa não confundir a preclusão da possibilidade de intentar uma ação tendente ao reconheci- mento de certo direito, com base em determinada causa de pedir, com a extinção do próprio direito a reconhecer; a questão da eventual inconstitucionalidade do prazo de dez anos previsto no artigo 1817 . º, n . º 1, do Código Civil tem de ser equacionada em termos de saber se é constitucionalmente legítimo exigir a alguém que, considerando dispor dos dados disponíveis para o efeito e pretendendo
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