TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
346 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL fundamentais diretamente envolvidos na prática de atos instrutórios. Propósito que nunca será cabalmente assegurado com uma intervenção do juiz de instrução subsequente ao ato. Um momento em que o direito já foi violado e em que sobra apenas viável assegurar a reparação possível. Além do mais e fundamentalmente, não posso acompanhar a posição que fez vencimento na parte e nos termos em que o faz em que se propõe compatibilizar e harmonizar o regime e o modela da intervenção do juiz de instrução com as exigências do acusatório do processo penal. E, concretamente, na parte em que considera que a defesa de uma exclusiva e absoluta direção do inquérito pelo Ministério Público aponta no sentido de a reserva prévia do juiz só dever ter lugar na medida do estritamente necessário para a proteção efetiva dos direitos, liberdades e garantias. No que vai coenvolvido um programa de compatibilização em que a presença e o potencial de lesividade e compressão dos direitos fundamentais não se opera como critério na definição da tipologia de intervenção do juiz de instrução. Mas antes como mero limite, numa ótica da “medida do necessário”, numa linha de maximização da reserva do Ministério Público. O que radica numa compreensão da atuação do juiz de instrução na fase pré-acusatória que não acom- panho. O juiz de instrução, em sede de inquérito, apresenta-se “como entidade exclusivamente compe- tente para praticar, ordenar ou autorizar certos atos processuais singulares que, na sua pura objetividade externa, se traduzem em ataques a direitos, liberdades e garantias das pessoas constitucionalmente protegi- dos” (Figueiredo Dias, “Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal”, Centro de Estudos Judiciários, 1988, p. 16). Estamos, pois, em face de uma atuação garantística, mas de uma intervenção que não se dá ex officio . O que se me afigura decisivo numa perspetiva de compatibilização de uma reserva de jurisdição preventiva com o princípio do acusatório. Na verdade, estando a atribuição da competência ao juiz de instrução para a determinação ou autorização da apreensão, na óbvia dependência de requerimento do Ministério Público, ela não colide com a direção e o domínio do inquérito por esta entidade. Se a estrutura acusatória do processo criminal não reclama uma intervenção subsequente do juiz – mas antes convive bem ou mesmo impõe um modelo de reserva inicial, desde que não oficiosa mas antes condi- cionada a um princípio do pedido –, há de então potenciar-se a regra da intervenção prévia, por ser a única idónea a evitar o sacrifício dos direitos fundamentais. Acresce que este «paradigma da proteção máxima da reserva do Ministério Público» – que, nos termos da orientação que fez vencimento, deverá ser preconizado mesmo quando esteja em causa a preterição de direitos fundamentais – não só se apresenta inadequado como, claramente contraindicado pelas disfunções político-criminais que ele traria consigo, se fosse coerente e consistentemente prosseguido em todas as suas implicações e consequências. É que, sem limites ou concorrência de outro parâmetro, também temáticas como, por exemplo, a compressão preventiva do direito à liberdade, a concretização de escutas telefónicas ou a materialização de buscas em domínios do sigilo profissional se bastariam com uma intervenção subse- quente do juiz de instrução. Parece-me, pois, que o critério de definição do tipo de intervenção do juiz de instrução não pode deixar de estar conexionado com a constatação da presença de direitos fundamentais e da existência de uma restrição ao correspondente conteúdo. É essa, aliás, a ratio subjacente aos artigos 268.º e 269.º do Código de Processo Penal, que conferem ao juiz de instrução competência para a prática ou autorização de atos quando estejam em causa valores como a liberdade, o património – artigo 268.º, n.º 2, alíneas b) e e) , do Código de Processo Penal –, o sigilo profissional, a inviolabilidade da correspondência, a saúde física ou psíquica, a integridade do domicílio, a inviolabilidade das telecomunicações, etc. Tudo matérias a reclamar uma inter- venção prévia do juiz de instrução. O que bem evidencia que o crivo para a definição do modelo normativo de reserva não pode deixar de ser a existência de um direito fundamental e a perceção da sua efetiva lesão. Não se antolhando pertinente pretender que a estrutura acusatória do processo penal possa oferecer um contributo significativo, menos ainda decisivo, para a superação do problema. Acresce, a reforçar o entendimento aqui advogado, que a lei reserva a garantia subsequente do juiz ape- nas a um conjunto restrito de casos conexionados com a existência de consentimento do titular do direito – artigo 174.º, n.º 6, do Código de Processo Penal – ou, em alternativa, com exigências de imediata atuação
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