TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
345 acórdão n.º 387/19 com uma consequência: a construção da apreensão subordinada a esta função perdeu em boa medida o seu sentido e, sobretudo, a sua necessidade. Tenho como evidente que, contrariamente ao sustentado na solução que fez vencimento, o regime de apreensão do artigo 178.º do Código de Processo Penal se revela, em face do quadro agora posto de pé pelo legislador, claramente mais gravoso do que o arresto preventivo. Ali, a medida é determinada pelo Ministério Público com mera possibilidade residual ou eventual de intervenção judicial a posteriori , e sem necessidade de formulação de um juízo de fundado receio de perda de garantia patrimonial ou de forte indiciação dos ilícitos criminais e sem limitação temporal expressa. Isto contrariamente ao artigo 228.º do Código de Pro- cesso Penal, em que a medida é cometida à competência do juiz de instrução, a requerimento do Ministério Público ou do lesado. E a exigir a materialização daqueles juízos, ausentes na apreensão e que pode conhecer o seu termo mediante a prestação de caução económica idónea. Não parece assim que o arresto preventivo leve consigo um maior potencial de agressão. Ele permite, é certo, atingir outros bens integrantes do património do arguido, para além dos instrumentos, produtos e vantagens do facto ilícito típico. Mas tal possibilidade continua vinculada ao desígnio de captura das importâncias necessárias a garantir um valor equivalente a tais vantagens do crime. Vale por dizer que, a arrestarem-se outros bens, a garantia deverá, obviamente, persistir circunscrita aos valores equivalentes àqueles objetos. As características da apreensão enquanto garantia patrimonial da perda das vantagens do crime ou seja, a sua desformalização, a dispensa de um juízo indiciário e a atribuição da competência para a sua determina- ção à entidade acusatória – potenciam, deste modo, uma maior desconsideração das garantias e direitos de defesa. Asserção cujo acerto é confirmado pela realidade judiciária, onde abundam os casos de eternização de apreensões decididas sem a formulação de um juízo sólido de indiciação da responsabilidade criminal e/ ou de receio de dissipação dos bens. Sendo assim e uma vez que a apreensão e o arresto preventivo cumprem atualmente idêntica função, não poderá deixar de se problematizar a legitimidade constitucional do artigo 178.º do Código de Processo Penal, na vertente de garantia patrimonial. É que, por um lado, ambas as figuras permitem fazer face ao risco de dissipação dos objetos que constituem vantagem do ilícito criminal; por outro lado, o arresto preventivo, com as cautelas adotadas pelo legislador, mostra-se claramente menos gravoso para os direitos fundamentais e garantias do arguido. O que, em matéria de necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, parece colocar a sobredita apreensão à revelia dos artigos 18.º e 62.º da Constituição da República Portuguesa. Com um problema adicional. Na verdade, enquanto a apreensão possa ser exclusivamente utilizada a título de preparação de uma ulterior decisão de perda de vantagens do crime, será, na prática, escassa a margem de eficácia do arresto preventivo, mesmo no atual figurino desenhado pelo legislador. A autori- dade judiciária tenderá, naturalmente, a privilegiar um instrumento mais expedito, simplificado, com voca- ção de perpetuação no tempo e, sobretudo, menos garantístico. Em detrimento de uma outra via que foi recentemente redesenhada pelo legislador para fazer face a este problema específico, nos termos que ficaram sumariamente recordados. 3. Sem prejuízo do exposto, continua a ser o tópico da competência para a prática do ato de apreensão enquanto garantia patrimonial que, a meu ver, suscita os mais profundos e dificilmente ultrapassáveis proble mas de conformidade constitucional. Acompanhamos o Acórdão quando, a este propósito, assume que “traduzindo uma função de pro- teção de direitos fundamentais, a referida competência do juiz no inquérito constitui, portanto, a regra. Em conformidade, a intervenção reservada ao juiz no inquérito deverá, tanto quanto possível, consistir numa intervenção prévia, devendo ser vista como excecional a intervenção do juiz que surge apenas após o início da execução da medida”. Entendimento diferente só poderia ser avançado à revelia do artigo 32.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. Que visa, naturalmente, a tutela preventiva dos direitos
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