TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

344 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III – Decisão Em face do exposto, decide-se: a) Fixar o efeito suspensivo do recurso; b) Não julgar inconstitucional a norma que defere ao Ministério Público a competência para autori- zar, ordenar ou validar a apreensão de objetos que constituam o lucro, o preço ou a recompensa do crime, constante do artigo 178.º, n. os 1 e 3, do CPP; c) E, em consequência, conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada em conformidade com o presente juízo de não inconstitucionalidade. Sem custas. Lisboa, 26 de junho de 2019. – Maria de Fátima Mata-Mouros – João Pedro Caupers – José Teles Pereira – Manuel da Costa Andrade (vencido nos termos de declaração de voto que junto). DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Já noutra sede tive oportunidade de questionar a solvabilidade constitucional da norma sub judicio neste processo. Fi-lo concretamente em estudo que publiquei em coautoria com Maria João Antunes, (Costa Andrade/Maria João Antunes, “Da Apreensão enquanto Garantia Processual da Perda das Vantagens do Crime”, in Revista de Legislação e Jurisprudência , Ano 146, n.º 4005, julho-agosto 2017, p. 360). Uma publi- cação em que pudemos dar conta de reservas – insuperáveis a nosso ver – sobre a solvabilidade constitucional da regra emanada do artigo 178.º, n. os 1 e 3, do Código de Processo Penal, no segmento em que confere ao Ministério Público a competência para autorizar, ordenar ou validar a apreensão de objetos que constituam o lucro, o preço ou a recompensa do crime.  Revisitada a questão no contexto dos presentes autos, as minhas reservas não só se mantêm como veem, creio, subir de tom a sua pertinência e plausibilidade. Mais: à vista dos dados normativos hoje vigentes e disponíveis, as minhas reservas comunicam-se mesmo à questão da própria legitimidade da apreensão na referenciada veste de garantia processual da perda das vantagens do crime no desenho que recebe da norma em exame. Isto atentas sobretudo as alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, nas medidas de garantia patrimonial previstas nos artigos 227.º e 228.º do Código de Processo Penal. 2. Como se referiu em face do anterior enquadramento legal, a caução económica e o arresto preventivo não se destinavam “a garantir a perda de vantagens do crime e mal se compreenderia que o ordenamento jurídico não a acautelasse processualmente” (Costa Andrade/Maria João Antunes, Ob. cit., p. 362). Os arti- gos 227.º e 228.º do Código de Processo Penal visavam exclusivamente garantir o pagamento da pena pecuniária, das custas do processo, de qualquer outra dívida para com o Estado relacionada com o crime, da indemnização ou de outra obrigação civil derivada do crime. Sistema em que o artigo 178.º do Código de Processo Penal desempenhava uma função própria e exclusivamente preordenada a assegurar o efeito útil da ulterior decisão de perda das vantagens do ilícito criminal. Função tanto mais imprescindível quanto é certo que nenhum outro dipositivo legal cumpria então adequadamente o mesmo desiderato. Entretanto e na sequência da Diretiva 2014/42/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de abril de 2014, a Lei n.º 30/2017 veio alterar profundamente o desenho daquelas figuras. Passando a recon- hecer às medidas de garantia patrimonial um propósito cautelar de obviar ao risco de “perda dos instrumen- tos, produtos e vantagens de facto ilícito típico ou do pagamento do valor a estes correspondentes” [artigos 227.º, n.º 1, alínea b) , 228.º, n.º 2, do Código de Processo Penal]. Com a natural ocupação do espaço anteriormente reservado à apreensão enquanto garantia patrimonial da perda das vantagens do crime. Tudo

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