TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
343 acórdão n.º 387/19 por Paulo Pinto de Albuquerque, «se o propósito de legislador foi o de proteger a propriedade, fê-lo de modo que contraria a distribuição na fase de inquérito, enxertando um incidente judicial e contraditório sobre a propriedade no inquérito e tornando o juiz numa instância de recurso do MP» ( Paulo pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 4.ª edição atualizada, anotação ao artigo 178.º CPP, p. 505). Independentemente desta visão crítica, parece inegável, no entanto, que a inovação introduzida com o artigo 178.º do CPP representou uma relevante concretização da tutela jurisdicional dos direitos individuais no âmbito do inquérito criminal. Uma tutela que por ser assegurada através de um procedimento específico com estabelecimento de contraditório e regulado tendo em vista a prolação de uma decisão independente, se aproxima mais da dimensão orgânico-funcional de jurisdição do que da mera autorização ou validação judicial de uma medida de investigação restritiva de direitos na base da qual apenas encontramos uma infor- mação unilateral fornecida pelo requerente da medida, assegurando, apenas, a autoria da decisão. Não se crê que a previsão de um tal incidente introduza um desequilíbrio relevante na divisão de com- petências no inquérito. Neste contexto, «o incidente judicial de verificação dos pressupostos da apreensão não contraria, portanto, a distribuição de poderes na fase de inquérito, usurpando as funções do seu domi- nus , nem transforma o juiz numa instância de recurso do Ministério Público. Sindicar se a apreensão violou desnecessariamente direitos das pessoas é uma função materialmente jurisdicional (artigo 202.º da CRP)» (João Conde Correia, Da proibição do confisco…, ob . cit ., p. 160). Conclui-se, assim, que a configuração constitucional dos papéis conferidos ao Juiz e ao Ministério Público em processo penal, na conjugação do princípio do acusatório com a reserva de juiz na defesa dos direitos fundamentais na fase de inquérito, não se afigura desrespeitada pela solução legal contida no artigo 178.º, n.º 7, do CPP. De outro lado, e como decorre de tudo o que acima já ficou exposto, a medida legislativa em análise, decorrente dos n. os 1 e 3 do mesmo artigo, ao atribuir ao Ministério Público competência para apreender no inquérito os bens que possam vir a ser declarados perdidos a favor do Estado, designadamente por terem ori- gem criminosa, não desrespeita a reserva de juiz prevista no artigo 32.º, n.º 4, da Constituição. Desde logo, por a apreensão provisória de bens não configurar uma ingerência grave no direito de propriedade. Trata-se de uma medida provisória, que, no essencial, abrange apenas uma dimensão daquele direito, designadamente a liberdade de dispor. Além disso, destinando-se a garantir uma eventual futura perda para o Estado de bens com origem ilícita, a apreensão basta-se com afirmação da indiciação de ser criminosa a sua proveniência. Uma indiciação que, na fase de inquérito, é competência específica do Ministério Público. Finalmente, logo que o titular do direito de propriedade pode tomar conhecimento da apreensão logo que esta é executada, podendo de imediato (e mesmo ainda durante a fase de inquérito) dirigir-se ao juiz para reclamar a respetiva revogação. 39. Pelo que fica dito, e, face às funções diversas desempenhadas pelo Ministério Público e pelo juiz de instrução na fase do inquérito, facilmente se verifica que a tutela jurisdicional não é, no caso vertente, posta em causa pelo facto de a intervenção judicial não ser anterior à afetação do direito de propriedade, uma vez que a sua anterioridade não resulta de qualquer imposição constitucional. Nesta medida, por via do incidente previsto no n.º 7.º do artigo 178.º do CPP, o juiz não é afastado da função de dirimir o conflito existente entre os eventuais interesses da investigação e direitos fundamentais em presença, assegurando-se a tutela jurisdicional. Pondo em causa apenas uma dimensão do direito de propriedade que se traduz na limitação da liberdade de dispor enquanto não for proferida a decisão final sobre o destino a dar ao bem apreendido, tendo em conta o peso e alcance da afetação, além da sua provisoriedade, a medida legislativa em apreciação não convoca a força de resistência constitucional implicada na garantia prevista no artigo 32.º, n.º 4, da Constituição, pelo menos na dimensão de uma reserva da primeira palavra atribuída ao juiz.
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