TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
342 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 38. À interceção de interesses constitucionalmente relevantes a justificar a intervenção preventiva do juiz de instrução acima já assinalada, contrapõe-se, todavia, um outro interesse igualmente tutelado pela Constituição: a estrutura acusatória do processo criminal (artigo 32.º, n.º 5). Como tem sido notado na doutrina constitucional, «[a] densificação semântica da estrutura acusatória faz-se através de uma dimensão material (fases do processo) com uma dimensão orgânico-subjetiva (enti- dades competentes). Estrutura acusatória significa, no plano material, a distinção entre instrução, acusação e julgamento; no plano subjetivo, significa a diferenciação entre juiz de instrução (órgão de instrução) e juiz julgador (órgão julgador) e entre ambos e órgão acusador. (…) Rigorosamente considerada, a estrutura acu- satória do processo penal implica: (a) proibição de acumulação orgânicas a montante do processo; ou seja, que o juiz de instrução seja também o órgão de acusação; (b) proibição de acumulação subjetiva a jusante do processo, isto é, que o órgão de acusação seja também órgão julgador; (c) proibição de acumulação orgânica na instrução e julgamento, isto é, o órgão que faz a instrução não faz a audiência de discussão e julgamento e vice-versa» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição revista, 2007, p. 522). A reserva de juiz representa, na verdade, também um instrumento de realização imediata do princípio da separação de poderes. Uma separação que, no que respeita ao processo criminal, se projeta, em três dimen- sões da separação de funções: numa perspetiva ampla, enquanto emanação da própria separação de poderes entre executivo e judicial que consagra o monopólio da jurisdição aos tribunais, dentro do processo penal, ao consagrar a separação da investigação e acusação do julgamento e, dentro do próprio inquérito, ao exigir a separação entre a investigação e a tutela dos direitos. É esta última dimensão que está na base das reservas de juiz no inquérito. Com efeito, «tal como na reserva de lei, também na reserva de juiz existe uma compo- nente jurídico-fundamental e uma componente jurídico-orgânica» (Maria de Fátima Mata-Mouros, Juiz das Liberdades , ob . cit ., p. 80). A primeira prende-se com a proteção do cidadão no seio da ordem constitucional; a segunda visa, em primeira linha, a distribuição constitucional de competências. Será necessário atender às duas para compreender o real sentido da reserva instituída. Cabe ao juiz de instrução a função de garantir os direitos fundamentais. Não lhe cabe, porém, concorrer com as funções do Ministério Público no inquérito. Ou seja, embora a direção do inquérito seja da incum- bência do Ministério Público e não de um juiz, quando nesta fase se mostre necessário praticar quaisquer atos instrutórios que possam restringir severamente direitos fundamentais, deve ser um juiz a decidir, na sua veste de juiz das liberdades. Surgindo o juiz de instrução como o garante dos direitos fundamentais dos diversos intervenientes no processo, ele não controla, porém, o exercício da ação penal, nem a bondade dos interesses invocados que pertence, por inteiro, ao Ministério Público. Como se referiu no Acórdão n.º 395/04, 2.ª Secção, ponto 8.1., deste Tribunal, «a intervenção do juiz na fase do inquérito preliminar apenas é reclamada para acautelar a defesa dos direitos fundamentais dos sujeitos processuais ou de terceiros relativamente àqueles atos processuais que a podem pôr em causa. Com o rigor de alguma síntese, pode afirmar-se que o juiz de instrução é, na fase do inquérito, um órgão que está vocacionado essencialmente para o acautelamento dos direitos fundamentais, entre os quais avultam a liber- dade, a segurança, a reserva de intimidade da vida privada. É o que se poderia apelidar de Juiz das Garantias. Nesta senda, não se vê, na linha de fundamentação expendida, que o juiz de instrução haja de interferir na realização dos atos do inquérito cuja direção está constitucionalmente cometida ao Ministério Público, fora do quadro de atos que são potencialmente lesivos de direitos fundamentais ou do controlo de atos cuja prática a lei processual preveja como obrigatória». A reserva de juiz comprime, portanto, a reserva do Ministério Público na direção do inquérito. Uma tal compressão só encontra, porém, justificação na medida do necessário para a proteção efetiva dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (sobre esta ponderação, vide Acórdão n.º 474/12, 1.ª Secção, ponto 9.3.2.). Neste quadro, já foi sustentado que a disposição do artigo 178.º do CPP, introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, não será consentânea com a direção do inquérito pelo Ministério Público. Como referido
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