TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

341 acórdão n.º 387/19 da questão para depararmos com uma área de mera reserva relativa de jurisdição (Paulo Rangel, Repensar ..., ob. cit. , p. 306-307). Desta forma, a diferenciação entre reserva absoluta e relativa redunda, na prática na verificação, ou não, da presença de interesse público alheio ao conflito estritamente jurídico. Avaliando a extensão e o âmbito que deve ter o princípio da «reserva de juiz», que deve ser respeitado pelo legislador ordinário em obediência à Constituição, designadamente até onde deve ir a competência exclusiva (e excludente) que é atribuída ao juiz de instrução para a prática de certos atos, identificados no artigo 188.º do CPP («escutas telefónicas»), o Acórdão n.º 450/07, 3.ª Secção, ponto 9.1., consignou o seguinte: «(…), não podendo a reserva de juiz rectius , o seu âmbito e extensão – ser definido aprioristicamente (num a priori “maximalista”), o modo constitucionalmente conforme da sua determinação implica o recurso a um juízo de adequação de “meios” a “fins”. É, afinal, desse juízo de adequação, ou de proporcionalidade, de que se fala, quando se identificam as finalidades da reserva (“a possibilidade real de, em função do decurso da escuta, ser mantida ou alterada a decisão que a determinou”), e dela se retiram as consequências lógicas (“do que se trata é, tão-só, de assegurar um acompanhamento.”). (…) A decisão, inspirada na ideia que fora enunciada no Acórdão n.º 407/97 (segundo a qual, recorde-se, o âmbito da reserva de juiz não deveria ser compreendido de modo “maximalista”), fundamentou-se nos seguintes termos: “Há que fazer uma interpretação deste requisito jurisprudencial funcionalmente adequada à sua razão de ser. E os propósitos visados consistem, como se assinalou, em propiciar que seja determinada a interrupção da interceção logo que a mesma se revele desnecessária, desadequada ou inútil, e, por outro lado, fazer depender a aquisição processual da prova assim obtida a um ‘crivo’ judicial quanto ao seu carácter não proibido e à sua relevância”». A compreensão da opção por uma reserva do juiz no inquérito que se apresente como primária ou secundária não pode, na verdade, deixar de conformar-se com a explicação constitucionalmente relevante para a intervenção do juiz no inquérito. 37. Numa visão de conjunto dos critérios dogmáticos que explicam, em geral, a intervenção do juiz no inquérito ressalta a pertinência na imposição de uma reserva de apreciação judicial nos casos de grave ingerência nos direitos fundamentais ou de impossibilidade (ou possibilidade meramente tardia) de estabe- lecimento do contraditório em ordem a evitar o perigo de ocorrência de prejuízos irreparáveis. Efetivamente, «a gravidade de uma medida restritiva de direitos justifica a necessidade de a sua autori­ zação ser atribuída a um órgão independente, tal como os imperativos de eficácia da realização em sigilo da investigação exigem uma compensação de garantias jurídicas pela impossibilidade do prévio estabelecimento do contraditório. Nesta perspetiva, a reserva de juiz representa uma medida de cautela que assegura a tutela possível dos direitos fundamentais num primeiro momento, isto é, uma tutela jurídica preventiva» (Maria de Fátima Mata-Mouros, Juiz das Liberdades. Desconstrução de um mito do processo penal, 2011, Almedina, p. 100). Trata-se de assegurar a tutela possível na autorização ou validação de medidas de investigação que configuram ingerências graves em direitos fundamentais. É neste quadro que se impõe reconhecer na reserva de juiz uma função preventiva da proteção dos direitos. Traduzindo uma função de proteção de direitos fundamentais, a referida competência do juiz no inquérito constitui, portanto, a regra. Em conformidade, a intervenção reservada ao juiz no inquérito deverá, tanto quanto possível, consistir numa intervenção prévia, devendo ser vista como excecional a intervenção do juiz que surge apenas após o início da execução da medida (neste sentido, vide Maria de Fátima Mata- -Mouros, Juiz das Liberdades , ob . cit ., p. 185). Assim, pode afirmar-se que quanto mais grave se afigurar a ingerência, ou mesmo quanto maior se afigurar poder vir a ser a dificuldade de reparação do dano ou reposição do direito, mais prematura deve ser a intervenção do juiz.

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