TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

340 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL jurisdicional – (i) o princípio nemo iudex sine actore ; (ii) o princípio do contraditório e (iii) o princípio do terceiro imparcial – apenas o terceiro encontra plena concretização na reserva de juiz no inquérito. O segundo está normalmente afastado pela própria natureza sigilosa das medidas de investigação. Também no que respeita à concretização do primeiro podem colocar-se algumas reservas. Na verdade: «O Juiz de Instrução não intervém, em nenhuma das constelações a requerimento, pedido, menos ainda recurso de um interessado não conformado com a decisão do Ministério Público. Pelo contrário, a intervenção do Juiz tem lugar ope legis , por imposição direta da própria lei. O Juiz de Instrução perde aqui a distanciação face ao fluir dos conflitos, que lhe assegurava a objetividade e neutralidade conaturais ao ato jurisdicional e seus marca- dores eidéticos» (Manuel da Costa Andrade, Bruscamente no Verão passado, a reforma do Código de Processo Penal: observações críticas sobre uma lei que podia e devia ter sido diferente, Coimbra Editora, 2009, p. 66). 36. De outro lado, verificamos que enquanto a garantia jurisdicional é assegurada, por via de regra, num momento subsequente ao ato de ingerência no direito, a reserva de juiz é exercida em momento anterior. A Constituição não impõe, porém, que em todos os momentos do exercício da função jurisdicional tenha de ser um tribunal a dizer a primeira palavra. Dentro do princípio da reserva de jurisdição dos tribu- nais é possível distinguir a dimensão da garantia do recurso a juízo contra os atos de quaisquer outras enti- dades ( Rechtsweggarantie ou Gerichtsvorbehalt ) da dimensão da reserva de juiz ( Richtervortbehalt ). A primeira satisfaz-se com a possibilidade do recurso a tribunal desde que a pronúncia deste seja a decisiva. Exprime a ideia de que relativamente a algumas situações é legítima a intervenção de outros poderes desde que seja assegurado depois o direito de acesso aos tribunais. Na segunda, pelo contrário, o juiz intervém logo de iní- cio. Exige que certas matérias sejam confiadas exclusivamente ao juiz. Impõe um monopólio de jurisdição relativamente a certas questões. É o que se passa, por exemplo, no domínio das penas restritivas da liberdade e das penas de natureza criminal na sua globalidade (neste sentido vide, Gomes Canotilho, Direito Consti- tucional e Teoria da Constituição, 3.ª edição, totalmente refundida, Coimbra, Almedina 1983, pp. 664-665). De acordo com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 630/95, 1.ª Secção, ponto 3: «Reveste-se de alta complexidade a delimitação da reserva da competência judicial, constituindo a distinção entre administração e jurisdição uma das questões salientes das disputas doutrinais e da jurisprudência. A linha de fronteira terá de atender não apenas à densificação doutrinal adquirida da função jurisdicional, aos casos cons- titucionais de reserva judicial – artigos 27.º, n.º 2, 28.º, n.º 1, 33.º, n.º 4, 34.º, n.º 2, 36.º, n.º 6, 46.º, n.º 2 e [113.º, n.º 7] – mas também ao apuramento neste campo de um entendimento exigente do princípio do Estado de direito democrático (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , 3.ª edição, pp. 792 e 793)». Ao discorrer sobre o alcance da reserva jurisdicional, Paulo Castro Rangel concluiu não restarem dúvidas de que o juiz terá a primeira e última palavra naquele conjunto de situações especificamente previstas em preceitos da Constituição e que formam a reserva absoluta especificada da jurisdição, mas a que se poderia simplesmente chamar reservas especiais de jurisdição, exemplificando com os preceitos contidos nos exem- plos referidos anteriormente – artigos 27.º, n.º 2, 28.º, n.º 1, 33.º, n. os 2 e 6, 34.º, n.º 2, 36.º, n.º 6, 46.º, n.º 2 e 113.º, n.º 7, da Constituição (Paulo Rangel, Repensar o Poder Judicial. Fundamentos e Fragmentos, Porto, Publicações Universidade Católica, 2001, p. 306 e também Reserva de Jurisdição – Sentido Dogmático e Sentido Jurisprudencial, Porto, Universidade Católica, 1997, p. 63). Fora dessas áreas, esclarece, «entramos em terreno pouco firme, onde só nos podemos socorrer de um critério material e da concretização que a jurisprudência (…) tem vindo a fazer do mencionado critério», e que coincide com o «de ato materialmente jurisdicional». Em busca de um critério material que respeite a concretização que a jurisprudência adminis- trativa e constitucional tem produzido na matéria, Paulo Rangel propõe o ato nuclearmente pertencente à função jurisdicional. Segundo o autor, basta que se afirme outro interesse público a par da resolução jurídica

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