TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

34 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Interpretada a norma sindicada a partir, exclusiva ou prevalecentemente, do seu elemento literal final, pode entender-se que, ao sujeitar a “deliberação expressa do órgão municipal competente” a aplicação aos trabalhadores equiparados da administração pública local do suplemento remuneratório de risco e penosi- dade instituído no decreto, o n.º 1 do respetivo artigo 2.º, ao invés de criar a referida componente remunera­ tória também para aqueles trabalhadores, está, na verdade, a atribuir aos órgãos municipais competentes o poder de a criar, ainda que apenas nas condições e termos definidos pela ALRAM. Se assim for, a norma constante do n.º 1 do artigo 2.º não poderá deixar de ser qualificada como uma norma de competência: ao invés do que sucede com os municípios localizados na restante parte do território nacional, os municípios da RAM – em rigor, as assembleias municipais da Região – passarão a dispor, por força daquele n.º 1, da competência para criar para os respetivos trabalhadores o mesmo exato suplemento remuneratório de risco e penosidade que o decreto cria para os trabalhadores da administração regional. Neste caso, pergunta-se: pode a Assembleia Legislativa Regional atribuir aos órgãos dos municípios da Região a competência para criar para os respetivos trabalhadores o suplemento remuneratório de risco e penosidade, ainda que vinculada aos pressupostos e montantes definidos no decreto? Ou, fazendo-o, con- tinuará a invadir a esfera de competência legislativa da Assembleia da República definida na alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, cuja matéria se encontra, além do mais, expressamente excecionada do elenco daquelas, igualmente sob reserva relativa de competência daquela Assembleia, mas sobre as quais as regiões autónomas podem ser habilitadas a legislar [artigo 227.º, n.º 1, alínea b) ]? 17. Recortado a partir da conjugação dos artigos 112.º, n. os 1, 4 e 5, 227.º, 228.º e 232.º, n.º 1, da Constituição, o poder legislativo das regiões autónomas – cometido às Assembleias Legislativas Regionais – encontra-se sujeito a um duplo limite: um limite positivo, no sentido em que apenas pode versar, no âmbito regional, sobre matérias enunciadas no respetivo estatuto político-administrativo; e um limite negativo, no sentido em que não pode incidir sobre matérias reservadas aos órgãos de soberania [artigos 227.º, n.º 1, alínea a) , e 228.º, n.º 1]. Este limite negativo é, no entanto, mitigado pela cláusula prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição: tratando-se de matérias sob reserva relativa de competência da Assembleia da República, o poder legislativo regional pode ser exercido desde que, por um lado, se não trate de matéria abrangida pelas alíneas a) a c) , na primeira parte da alínea d) , alíneas f ) e i) , segunda parte da alínea m) , e alíneas o) , p) , q) , s) , t) , v) , x) e aa) do n.º 1 do artigo 165.º, e, por outro, a Assembleia Legislativa Regional tenha sido autorizada a legislar mediante lei parlamentar. Independentemente de saber qual é, ou até mesmo se existe, um critério unitário, de conteúdo materi- almente apreensível, que possa dizer-se subjacente à delimitação do universo das matérias reservadas à com- petência legislativa da Assembleia da República insuscetíveis de delegação legislativa às Assembleias Legis­ lativas Regionais (a este propósito, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo III, Coimbra Editora, 2007, Anotação ao artigo 228.º, p. 360, e J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Consti- tuição da República Portuguesa Anotada , Vol. II, 4.ª edição, 2010, Anotação ao artigo 227.º, p. 667), não há dúvida de que o propósito do legislador de revisão constitucional (2004) foi, quanto à matéria prevista na alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, o de manter a conformação do “estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais”, na esfera de competência legislativa dos órgãos de soberania (Assembleia da República e Governo, mediante autorização parlamentar), sem possibilidade de interferência, sequer mediante autorização daquela Assembleia, do poder legislativo regional. Sem prejuízo do conjunto de poderes cometidos pela Constituição às regiões autónomas na relação com as autarquias locais nelas sediadas – como o poder de criar e extinguir autarquias locais, bem como modificar a respetiva área, nos termos da lei [artigo 227.º, n.º 1, alínea l) ], o de exercer tutela sobre as autarquias locais [ idem , alínea m) ] e o de elevar povoações à categoria de vilas ou cidades [ idem , alínea n) ], – as demais maté- rias respeitantes às autarquias locais – como a eleição e o estatuto dos eleitos locais [artigo 164.º, alíneas l) e m) ], o regime de criação, extinção e modificação das autarquias locais [artigo 164.º, alínea n) ] e a respetiva

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