TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
339 acórdão n.º 387/19 A previsão deste incidente não evita, porém, a questão de saber se o artigo 32.º, n.º 4, da Constitui ção exige uma outra solução legal, especificamente a pronúncia judicial reportada ao momento em que foi efetuada a apreensão. Isto é, se a Constituição, no artigo 32.º, n.º 4, impõe uma reserva antecipada de intervenção do juiz. Vejamos. 35. Antes do mais cumpre notar que entre as reservas de juiz no inquérito para intervenção restritiva em direitos fundamentais que se encontram previstas no CPP é possível distinguir a reserva para atos materiais (reserva de atos a praticar pelo juiz) e a reserva de atos decisórios (reserva de decisão judicial). Dentro dos atos decisórios é possível identificar a ordem judicial (ex. artigo 179.º, n.º 1, do CPP), a autorização judicial (ex. artigo 179.º, n.º 1, do CPP); a concordância judicial (ex. artigo 281.º, n.º 1, do CPP) e a confirmação (ou convalidação) judicial (ex. artigo 174.º, n.º 6, ou artigo 252.º, n.º 3, do CPP ou artigo 4.º, n.º 5, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro). Em função do momento da intervenção do juiz podemos distinguir reservas prévias (primárias) e reservas subsequentes (secundárias). As primeiras traduzem a obrigatoriedade de intervenção do juiz em momento anterior à realização da medida. Nas segundas, diferentemente, o juiz intervém já depois do início da sua execução. Na configuração que constitucionalmente tomam, as reservas de juiz apresentam-se como concretiza- ções dos direitos fundamentais e encontram a sua razão de ser no estatuto de independência que os juízes têm e na distância que mantêm relativamente à atividade investigatória. Subjacente à transferência de competências para autorizar certas medidas de investigação do titular do inquérito para um juiz, encontra-se a garantia de neutralidade judicial. A independência da magistratura judicial e o seu maior distanciamento em relação à atividade investigatória, conferem ao juiz de instrução uma maior disponibilidade funcional e estatutária para, com objetividade, decidir os limites toleráveis do sacrifício dos direitos fundamentais em favor do interesse da realização da justiça penal. Estas razões apelam, portanto, ainda a uma ideia de reserva de jurisdição. Como o Tribunal já sublinhou, «a reserva de jurisdição concretiza-se através de uma reserva de juiz, no sentido de que dentro dos tribunais, só os juízes poderão ser chamados a praticar atos materialmente jurisdicionais» (Acórdão n.º 620/07, Plenário, ponto 2). Existe, com efeito, uma conexão necessária entre a tutela jurisdicional e as garantias institucionais, pessoais e processuais concedidas pelos tribunais. Também na jurisprudência do Tribunal Constitucional o conceito de reserva de jurisdição tem sido preenchido como decorrência fundamental do próprio princípio da independência dos tribunais. Pode ler-se no Acórdão n.º 67/06, Plenário, ponto 5: «Um dos corolários ou dimensões do princípio da independência dos tribunais é o de que o juiz, no exercício da sua função jurisdicional, apenas está submetido às fontes de direito jurídico-constitucionalmente reconhecidas (independência funcional). Por outro lado, como diz Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Cons- tituição, pág. 658, a independência judicial postula o reconhecimento de uma reserva de jurisdição, entendida como reserva de um conteúdo material típico da função jurisdicional, o que implica que em determinadas matérias cabe ao juiz não apenas a última, mas também a primeira palavra. É o que se passa, desde logo, no domínio tra- dicional das penas restritivas da liberdade e das penas de natureza criminal na sua globalidade. Os tribunais são os “guardiões da liberdade” e daí a consagração do princípio nulla poena sine judicio (…)». Contudo, se o direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição visa já assegurar a proteção dos direitos fundamentais, qual será então o sentido específico da reserva de juiz consti- tucionalmente estabelecida no artigo 32.º, n.º 4? Apesar da estreita relação que apresentam, o certo é que reserva de juiz e jurisdição não se confun- dem. Dos três princípios que, de modo consensual, têm sido apontados como caracterizando a função
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