TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

338 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «O novo Código de Processo Penal eliminou a anterior diversidade de procedimentos nas fases preliminares e transformou o inquérito, sob a titularidade do Ministério Público – órgão com estatuto e poderes de autêntica magistratura, requisito essencial da formulação do novo modelo processual – na fase normal de investigação e preparação da decisão de acusação, independentemente do tipo de crime e da moldura da pena correspondente. (…) Diversamente do que sucedia no regime anterior, o atual modelo processual penal atribui ao juiz de instrução, na fase de inquérito, uma função passiva, de garantia de direitos fundamentais, sem iniciativa para a prática de atos processuais visando a realização das finalidades do inquérito. (…) O regime de apreensões, enquanto meio de obtenção de prova, é alterado tendo em vista, por um lado, uma maior eficiência no combate do crime e, por outro lado, a necessidade de reforçar a tutela do direito de propriedade enquanto direito fundamental. Embora sem pôr em causa a sua natureza, permite-se que a medida possa ser levada a efeito por órgãos de polícia criminal no decurso de revistas ou buscas ou em caso de urgência ou perigo na demora, con- ferindo, por esta forma, maior exequibilidade às medidas de polícia; porém, exige-se, neste caso, a sua validação por autoridade judiciária, no prazo de setenta e duas horas. Por outro lado, introduz-se a possibilidade de apreciação da medida de apreensão pelo juiz de instrução, dadas as restrições impostas ao direito de propriedade, que deve ser eficazmente tutelado» (itálico nosso). 34. Assim, hoje em dia, não obstante se atribuir ao Ministério Público a competência para apreender «os instrumentos, produtos ou vantagens relacionados com a prática de um facto ilícito típico, e bem assim todos os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova» (cfr. artigo 178.º, n.º 1, do CPP), a verdade é que quem se sentir lesado no seu direito de propriedade pela apreensão ordenada, pode requerer ao juiz de instrução a sua modificação ou revogação. Efetivamente, nos termos do artigo 178.º, n.º 7, do CPP, os titulares de instrumentos, produtos ou vantagens ou outros objetos apreendidos podem requerer ao juiz de instrução a modificação ou a revogação da medida de apreensão, sendo este requerimento autuado por apenso, notificando-se o Ministério Público para, em 10 dias, deduzir oposição. Aliás, foi precisamente no âmbito deste incidente judicial que a presente questão de constitucionalidade foi suscitada. O n.º 9 do referido artigo 178.º determina que «se os instru- mentos, produtos ou vantagens ou outros objetos apreendidos forem suscetíveis de ser declarados perdidos a favor do Estado e não pertencerem ao arguido, a autoridade judiciária ordena a presença do interessado e ouve-o», o que constitui uma clara expressão do direito a ser ouvido antes de ser tomada uma decisão restri- tiva de um direito de que se é titular. No conjunto do regime instituído pelo legislador, o incidente previsto no artigo 178.º do CPP consti- tui, assim, uma via de tutela jurisdicional especificada do direito de propriedade atinente a instrumentos, produtos ou vantagens ou outros objetos afetados por medidas de investigação criminal, mormente meios de obtenção de prova. Consagra-se, por esta via, em sede processual penal, um incidente judicial e contra- ditório no âmbito do inquérito, confiando a sua decisão à imparcialidade e neutralidade do juiz, com vista à modificação ou revogação da medida autorizada, ordenada ou validada por despacho do Ministério Público. Trata-se de uma clara concretização da garantia de judicialização da tutela dos direitos fundamentais, maxime do direito à propriedade privada, inquestionavelmente comprimido por quaisquer atos de apreen- são, quer para fins de natureza probatória, quer com o intuito de assegurar o seu futuro perdimento a favor do Estado. De facto, embora se trate de uma medida temporária, limitada e parcial, como já se referiu, o seu potencial de agressão e as consequências nefastas são óbvias (neste sentido, vide João Conde Correia, Da proibição do confisco… , cit., p. 158). Enquanto terceiro independente e imparcial, que durante o inquérito pratica ou autoriza os atos (artigos 17.º, 268.º e 269.º do CPP) que afetam os direitos, liberdades ou garan- tias fundamentais do arguido ou de terceiros, compete ao juiz dirimir o conflito entre os órgãos encarregados da perseguição criminal e os titulares daqueles direitos.

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