TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

337 acórdão n.º 387/19 Marques da Silva ( Constituição Portuguesa Anotada, Jorge Miranda e Rui Medeiros (coord.), tomo I, Coimbra Editora, 2005, em anotação ao artigo 32.º, ponto 4) dá conta dessa leitura da norma constitucional citada: «Na vigência da redação originária da Constituição entendíamos que o n.º 4 do artigo 32.º tinha pretendido atribuir a competência para a investigação à jurisdição, subtraindo-a ao Ministério Público e às polícias, dando ao conceito de “instrução” o sentido amplo que resultava da legislação contemporânea da aprovação do texto consti- tucional. Em razão das alterações da Constituição posteriores ao Código de Processo Penal de 1987, consideramos agora que o atual conteúdo do conceito de instrução é mais restrito e corresponde à garantia processual dos direitos do arguido ao esclarecimento dos factos, com a sua participação, em ordem à decisão de o submeter a julgamento, o que equivale à fase processual da instrução consagrada no Código de Processo Penal, excluindo-se, pois, a fase de investigação pré-acusatória, salvo no que respeita aos atos que nesta fase se prendam diretamente com os direitos fundamentais, em que a garantia da jurisdição é essencial e reservada pela Constituição a um juiz». No Acórdão n.º 23/90, 1.ª Secção, ponto 4 (reafirmado no Acórdão n.º 395/04, 2.ª Secção, ponto 8.1), o Tribunal Constitucional referiu: «[O] n.º 4 do artigo 32.º da CRP prossegue a tutela de defesa dos direitos do cidadão no processo criminal e, nessa exata medida, determina o monopólio pelo juiz da instrução, juiz-garante dos direitos fundamentais dos cidadãos (“reserva do juiz”). Intervenção do juiz que vale – e só vale no âmbito do núcleo da garantia constitucional. Assim ocorre em toda a fase de inquérito ao Ministério Público confiada pelo CPP atual, compreendendo o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabi- lidade deles, descobrir e recolher provas em ordem à decisão sobre a acusação (artigo 262.º, n.º 1), justificando-se a intervenção do juiz-garante sempre que afetado aquele núcleo – consoante o elenco de situações descritas nos artigos 268.º e 269.º. Mantém-se incólume o preceito constitucional e o regime por ele moldado e, do mesmo passo, concilia-se a norma nele contida com outros valores tutelados ao mesmo nível – o direito à segurança (n.º 1 do artigo 270.º), envolvendo componentes de segurança jurídica e de certeza quanto ao exercício dos direitos, o respeito pelos direi- tos e liberdades dos terceiros expresso na Declaração Universal dos Direitos do Homem (n.º 2 do artigo 29.º), as exigências de ordem pública, são exemplos de referentes jurídico-constitucionais a exigir a observância da adequa- ção e da proporcionalidade». 33. No que respeita concretamente à norma em análise, importa começar por referir que a competência do Ministério Público para apreender bens no inquérito, tendo em vista a sua perda, não afasta necessaria- mente o juiz do destino da apreensão de bens ordenada. Trata-se de uma inovação face ao CPP de 1987 que, na sua versão originária, não previa nenhum meio de impugnação autónomo de uma apreensão autorizada, ordenada ou validada pelo Ministério Público por parte de quem se considerasse ilegitimamente lesado por aquela medida. A doutrina considerava essa ausência de via de impugnação como uma omissão grave que importava colmatar (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado e Legislação Complementar , 17.ª, Coimbra, Almedina, 2009, em anotação ao artigo 178.º). A revisão do CPP introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, veio dar resposta a esta omissão, permitindo a impugnação judicial, perante o juiz de instrução, das apreensões autorizadas, ordenadas ou validadas pelo Ministério Público, garantindo, na medida do possível, a concretização do princípio do con- traditório. Esta inovação importou, pois, uma relevante concretização da tutela jurisdicional dos direitos fundamentais no âmbito do inquérito criminal. Vale a pena transcrever uma passagem da Proposta de Lei n.º 157/VII (que esteve na origem das alte­ rações ao CPP introduzidas pelas Lei n.º 59/98, de 25 de agosto):

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