TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

336 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 30. A apreensão que visa acautelar a possibilidade de futura perda, não se confunde com a declaração de perdimento. Aquela, diferentemente desta, é uma medida meramente provisória e de dimensão parcelar relativamente ao conteúdo do direito afetado, uma vez que, no essencial, afeta apenas a liberdade de trans- missão de bens. É esta a componente do direito à propriedade privada que é afetada na apreensão de bens a que alude o artigo 178.º do CPP, sendo criminalmente sancionado, nos termos do artigo 355.º do Código Penal, o proprietário dos bens assim apreendidos que os subtraia ao poder público. Os poderes atribuídos ao Gabinete de Recuperação de Ativos, sob dependência da Polícia Judiciária, para determinar a afetação dos bens apreendidos em processo penal, a que os recorridos aludem para con- cluírem pela maior abrangência das manifestações nucleares do direito de propriedade afetadas pela apreen- são, não decorrem, todavia, da norma em apreciação no presente recurso, antes da Lei n.º 45/2011 (artigo 10.º), como os próprios recorridos indicam nas suas alegações (conclusão AA). Apreensão e perda não têm nem dimensão nem efeitos semelhantes, pelo que não podem ser vistas como equivalentes. Não há, assim, antecipação de um quadro de efeitos semelhantes aos da perda que só a sentença pode decretar. Assegurada a conformidade entre a medida cautelar imposta e os fins que procura atingir, não existe, pois, impedimento constitucional à medida provisória de apreensão baseada na indiciação de factos criminosos. Note-se, ainda a declaração de perdimento é sempre da competência de um juiz, sendo também sempre um juiz que tem a competência para decidir todas as questões que o visado venha a colocar na sequência da apreensão. 31. Conclui-se, assim, que mesmo a admitir-se a verificação de uma restrição do direito de propriedade pela medida contida no artigo 178.º, n.º 1, do CPP, ela pode à partida ser justificada pelo interesse público de realização da justiça.  Ao fundamento político-criminal do regime da perda de vantagens acresce, num Estado de direito, o reconhecimento da necessidade de restauração da ordem patrimonial dos bens correspondente ao direito vigente, independentemente da verificação de dano individual para alguém. Neste contexto, não é possível afirmar que o condicionamento decorrente da apreensão da propriedade implicado na norma atinja qual- quer dimensão do direito de propriedade que se mostre indispensável a concepço do direito de propriedade como garantia de «espaço de autonomia pessoal», na formulação do Acórdão n.º 374/03, 2.ª Secção, ponto 2.3.3., citando Maria Lúcia Amaral, Responsabilidade do Estado e Dever de Indemnizar do Legislador , Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p. 542 (ou «essencial a realização do Homem como pessoa», na ideia do Acórdão n.º 329/99, Plenário, ponto 4.2). ii) Da alegada violação do artigo 32.º, n.º 4, da Constituição 32. Aqui chegados é tempo de enfrentar a questão essencial que constitui o objeto do presente recurso: saber se a norma que resulta da conjugação dos n. os 1 e 3 do artigo 178.º do CPP, ao deferir ao Ministério Público a competência para, no âmbito do inquérito criminal, ordenar a apreensão de objetos tendo em vista a sua futura perda para o Estado, viola a garantia constitucional inserta no artigo 32.º, n.º 4, da Constituição.  O artigo 32.º, n.º 4, da Constituição dispõe que «toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos atos instrutórios que se não prendam direta- mente com os direitos fundamentais». No entanto, a Constituição não define onde começa a instrução (vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, 4.ª edição revista). Apesar da indefinição, a aplicação do princípio contido no n.º 4 do artigo 32.º da Constituição às fases que antecedem a fase de instrução do processo penal tem sido acolhida pela doutrina e jurisprudência constitucio- nais para todas as situações em que haja afetação de direitos fundamentais. Com desenvolvimento, Germano

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