TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
335 acórdão n.º 387/19 Ora, como resulta do acima já explanado, a apreensão veiculada pela norma em análise visa garantir a real eficácia da decisão jurisdicional ulterior a cuja sorte está inevitavelmente ligada. Como é próprio das medidas cautelares, esta apreensão tem um papel instrumental. Trata-se de um ato preordenado que pro- cura assegurar a eficácia de uma eventual decisão de perda de vantagens. Neste sentido, a norma dirige-se aos instrumentos, produtos ou vantagens do crime que se encontrem na posse do arguido ou de terceiro. A titularidade de produtos ou vantagens do crime, representando um ilícito penal material, não pode encon- trar proteção na Constituição, designadamente no seu artigo 62.º. Num tal quadro, à semelhança do que o Tribunal já afirmou a respeito da apreensão de bens em caso de não pagamento de impostos, «tais restrições implícitas do direito de propriedade consentem ainda a normação de medidas conservatórias daqueles direi- tos estaduais. Ponto é que se verifique uma relação de perfeita concatenação entre a medida prevista e o direito que se pretende assegurar» (Acórdão n.º 236/86, Plenário, ponto 13). É o que se passa na norma em análise. Também nela se evidencia a existência de uma correlação perfeita entre a medida de apreensão do bem que aparenta ter origem criminosa e o fim de interesse público que se visa assegurar e que consiste na garantia da futura declaração de perdimento para o Estado de um bem cuja origem se comprovou ser criminosa. Note-se que a apreensão sob análise, constituindo um ato preordenado à perda, não depende de qual- quer apreciação de mérito relativa à sua adequação ou necessidade. Uma tal apreensão impõe-se pela afir- mação inequívoca da indiciação do ato criminoso, designadamente na acusação e a dedução desta constitui competência do Ministério Público. É, assim, diferente da decisão que decide ordenar a perda das vantagens, a qual exige a prova de que as mesmas foram obtidas como resultado do ato ilícito. Distingue-se, igualmente do arresto preventivo o qual, por ser mais agressivo para os direitos individuais – já que pode abranger todo o património do arguido –, apresenta pressupostos de aplicação mais apertados, exigindo-se, aí sim, que o juiz aprecie a bondade da restrição. Tendo em conta o que foi dito, ao invocar-se a não proteção, pelo direito de propriedade, do resultado de atividade criminosa, pode, no entanto, questionar-se a compatibilidade do aresto, neste caso, com o princípio da presunção da inocência. Ora, é sabido que o princípio da presunção de inocência – garantido no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição – impede a imposição de verdadeiras penas a título de medidas cautelares (Acórdão n.º 198/90, 1.ª Secção). Não impede, todavia, a imposição de medidas cautelares limitadas às estri- tas necessidades que com elas se visam satisfazer, isto é, que se apresentem como adequadas e proporcionadas a prevenir perigos, designadamente o perigo de ineficácia da sentença penal. Como referido no Acórdão n.º 198/90, ponto II.3.: «Não se ignora que “o princípio da presunção de inocência, na sua desimplicação histórica, assume uma plura- lidade de sentidos que exigem a sua concretização e o seu detalhamento progressivos perante as diversas situações processuais penais que para ele apelam; mas sentidos, também, que não podem ser arbitrária ou desrazoavelmente multiplicados ou estendidos, atento o perigo de que, assim, possam vir a entrar em contradição com a razão de ser do princípio como um dos fundamentos do processo penal do Estado de direito democrático” (cfr. Acórdão n.º 168, da Comissão Constitucional, Apêndice ao Diário da República , de 3 de Julho de 1980, e ainda Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , 1.º vol., 2.ª edição, pp. 215 e segs., e Pinheiro Farinha, Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pp. 29 e segs.). Assim sendo, há-de dizer-se que o princípio não proíbe a antecipação de certas medidas cautelares e de inves- tigação (de outro modo concluir-se-ia no sentido da inconstitucionalização da instrução criminal em si mesma) ou, como na situação do processo disciplinar sancionatório em apreço, na suspensão do exercício de funções e cor- relativa suspensão do vencimento resultante desse exercício efetivo pois que, neste caso, tal medida não configura uma antecipação dos efeitos da pena, nomeadamente da pena de demissão (cfr. Acórdão n.º 439/87, Diário da República , II Série, de 17 de Fevereiro de 1988)».
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