TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

334 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL implícitas (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4.ª edição revista, Coimbra, p. 801; Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, Coimbra, p. 628). (…) No caso vertente, não se vê que a manutenção da apreensão de quantias para além dos prazos legalmente fixados para o termo do inquérito, represente uma restrição ilegítima do direito de propriedade por violação do princípio da proporcionalidade, designadamente na sua dimensão de adequação aos fins visados pela lei. Vimos que a apreensão tem a dupla função de meio de obtenção de prova e de garantia patrimonial do eventual decretamento de perda de valores a favor do Estado (cfr. Damião da Cunha, Perda de bens a favor do Estado, Centro de Estudos Judiciários, 2002, pág. 26), e, nesse sentido, tem pleno cabimento que enquanto providência processual instrutória ela possa manter-se até à fase de julgamento e venha apenas a ser declarada extinta com a sentença final (absolutória ou condenatória), quando nela tenha sido entretanto fixado o destino a dar aos bens apreendidos. A apreensão de bens ou valores que constituam o produto do crime não está relacionada, por isso, com quais- quer vicissitudes processuais, mas unicamente com os próprios fins do processo penal, e é justificada à luz do inte- resse da realização da justiça, nas suas componentes de interesse na descoberta da verdade e de interesse na execução das consequências legais do ilícito penal. E neste plano de compreensão tem relevo chamar a atenção para o facto de estarmos perante formas de crimi- nalidade económico-financeira organizada que é de muito difícil prova e relativamente à qual o legislador sentiu necessidade, através da mencionada Lei n.º 5/2002, de adotar medidas especiais de controlo e repressão, mediante a derrogação do segredo fiscal e bancário, para facilitar a investigação criminal (artigos 2.º a 5.º), a permissão do registo de voz e de imagem, como específico meio de produção de prova (artigo 6.º), e a previsão de um mecanismo especial de perda de bens a favor do Estado tomando por base a presunção de obtenção de vantagens patrimoniais ilícitas através da atividade criminosa (artigo 7.º) – sobre estes aspetos, Damião da Cunha, ob . cit ., págs. 7-10)». Desta forma, apesar de reconhecer que as medidas legislativas eram restritivas, nestes acórdãos o Tribu- nal bastou-se com a identificação de uma finalidade de interesse público amplamente reconhecido, como a realização da justiça, para as justificar à luz da Constituição. 29. É verdade que no caso de se adotar uma tese ampliativa do direito fundamental, é possível identificar a apreensão objeto do presente processo – que incide exclusivamente sobre bens imóveis – como uma verdadeira e própria restrição ao direito de propriedade, designadamente pela limitação verificada na liberdade de dispor. No entanto, nemmesmo uma metodologia mais exigente de controlo de constitucionalidade das restrições dos direitos fundamentais que não prescinda da evidenciação do conflito de interesses que se apresentam em confronto consegue evitar a imediata identificação de uma justificação suficiente para permitir o condicio- namento daquela faculdade. É que só pode ser considerado como exercício de um direito fundamental tudo aquilo que «mantenha uma relação estreita com o programa normativo que levou à consagração constitucional do direito» (Jorge Reis Novais, Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional em Estado de Direito Democrático, p. 101). E não pode deixar de ser «excluído da consideração como exercício de direito fundamental aquilo que constitui ilícito penal em sentido material ou que seja consensual e indiscutivelmente rejeitado como sendo, em quaisquer circunstâncias, inadmissível numa sociedade democrática» ( ibidem ). A compreensão dos direitos fundamentais própria de um Estado de direito não se compadece com a inclusão no âmbito da garantia constitucional de qualquer proteção ao ilícito penal. Para além disso, trata-se de uma restrição temporária (só vale enquanto a apreensão não for levantada ou convertida em confisco), limitada (tende a abranger apenas uma parcela do património) e parcial (ao contrário do confisco a apreensão não implica uma transferência definitiva da propriedade da coisa para o Estado). Assim, embora exista um potencial de agressão e de consequências nefastas (neste sentido, vide João Conde Correia, Da proibição do confisco…, cit., p. 158), a afetação do direito fundamental em causa não será muito intensa.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=