TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
333 acórdão n.º 387/19 «Entendemos que a norma do artigo 108.º do Código Penal, na interpretação que lhe demos, não viola o referido direito fundamental de propriedade privada. Na verdade, segundo a norma do citado artigo 108.º, referido ao artigo 107.º, só podem ser declarados perdi- dos a favor do Estado os instrumentos do crime que, “pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, ou ofereçam sérios riscos de serem utilizados para cometimento de novos crimes”. Isto significa que o direito constitucional de propriedade privada é sacrificado em homenagem aos valores de segu- rança das pessoas, da moral, ou da ordem pública que constituem o alicerce de um Estado de direito democrático. O direito de propriedade privada, embora seja um direito fundamental, não é um direito absoluto (citado Acórdão n.º 236/86). Tem limites imanentes entre os quais se podem alinhar os impostos pela garantia dos mencionados valores. Ora, a norma do citado artigo 108.º mostra-se adequada ao desempenho da sua função garantística dos sobreditos valores de segurança; não se reputa desproporcionada para a obtenção desse escopo; e não se considera arbitrária, pela sua formulação comedida, uma vez que «será atribuída ao respetivo titular uma indemnização igual ao valor dos objetos perdidos [.]» (itálico nosso). Ou seja, o Tribunal Constitucional, colocado perante a mesma questão jurídico-constitucional agora suscitada e suportada pelas mesmas disposições e normas jurídicas, entendeu que as apreensões, quando autorizadas ou ordenadas pela autoridade judiciária, nos casos referidos nesse preceito, não podem deixar de considerar-se um limite imanente ao direito de propriedade, daí se extraindo a sua completa conformidade com a garantia constitucional. Crê-se, assim, que a tese sustentada pela decisão recorrida, no sentido de a norma contida no artigo 178.º, n.º 1, do CPP, na dimensão reportada à apreensão de objetos que constituam lucro, preço ou recom pensa do crime, configurar uma restrição de um direito fundamental por afetar o direito de transmissão que constitui uma componente do direito de propriedade protegido pela garantia constitucional prevista no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição não encontra acolhimento na jurisprudência do Tribunal Constitucional. 28. Não se ignora que, em algumas decisões, o Tribunal classificou já como restrição ao direito de pro- priedade privada as medidas de arresto ou de apreensão de bens no inquérito. Por exemplo, no Acórdão n.º 188/91, 2.ª Secção, o Tribunal, apesar de entender que a medida legisla- tiva que previa o arresto dos bens do arguido e a transitória restrição da capacidade civil do contumaz para desmotivar a situação de contumácia era restritiva, não julgou inconstitucional as normas do Código de Pro- cesso Penal que a suportavam. Considerou as referidas normas do CPP justificadas por uma «finalidade de indiscutível interesse público», ao visar «pressionar os arguidos a comparecerem em juízo, a fim de aí serem julgados pelos crimes que lhes são imputados, com integral respeito pelo princípio do contraditório», pelo que «as restrições ao direito de propriedade constantes das normas em apreciação nada têm de desproporcio- nado ou desadequado» (ponto 5). Num outro exemplo, o Acórdão n.º 294/08, 3.ª Secção, o Tribunal apreciou a conformidade com a Constituição da norma do artigo 181.º, n.º 1, do CPP, quando interpretada no sentido de que pode manter-se a apreensão de bens depois de ultrapassado o prazo máximo de duração do inquérito, sem ter sido proferido despacho de acusação ou arquivamento pelo Ministério Público. Concluiu que aquela norma não representa uma «restrição ilegítima do direito de propriedade por violação do princípio da proporcionali- dade, designadamente na sua dimensão de adequação aos fins visados pela lei», por ser justificada à luz do interesse da realização da justiça. Vejamos (ponto II.): «Conforme o Tribunal Constitucional tem sublinhado noutras ocasiões e constitui entendimento doutrinário assente, o direito de propriedade, tal como previsto no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, não é garantido em termos absolutos, mas sim dentro dos limites e com as restrições definidas noutros lugares do texto constitucional ou na lei, quando a Constituição para ela remeter, ainda que possa tratar-se de limitações constitucionalmente
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=